Salut, Gilles!

Talvez este não seja o melhor referencial para um momento solene como este, mas… Andrea De Cesaris disse certa feita que “entre rodar e bater dá tempo de dizer tudo, até ‘que m***'”

Tome o tempo desta crônica breve como uma câmera lenta dolorida enquanto a 126C2 levanta voo atrás de um surpreendido Jochen Mass. Todo o filme que passa na vida de um homem que, desde os rudimentares snowmobiles de outros tempos, construiu sua imagem como uma lenda de seis míseras vitórias na vida.

Um cidadão vindo duma terra mais gelada que o tempo em certos momentos do ano, mas que aqueceu-se ao calor dos velozes bólidos europeus e flechou o coração de um velho frio e enlutado eternamente para tornar-se seu piloto mais lembrado. Tão lembrado quanto os campeões que a tradicional casa italiana formou.

(Reprodução)

Este homem foi motivo de amor e ódio, despertou a ira de poucos e o fascínio de muitos justamente por ser quase desprovido de medo e receio. A placa de frenagem não era um limite psíquico, o “Deus me livre” era o preferido dele, o risco que ninguém tomava quando era preciso, justamente, ir além deste limite, quase uma teimosia mortífera e excitante.

Teimosia, o ingrediente que temperou uma corrida pioneira entre montanhas francesas. Ninguém lembra do seu vencedor com tanto vigor quanto o homem que desafiou um dos donos daquela casa com o maior olho-no-olho das pistas até hoje. Saiu vencedor por ser louco, teimoso, por coisas que o politicamente correto de hoje o tornaria um passível de punição constante.

Ainda bem que a F1 daquele tempo não era chata para isto como hoje o é. Para vê-lo pilotar “por instrumentos” na chuva torrencial de sua casa, de arrastar uma calota ou largar como um louco para rodar meio-metro depois. Mas também assistir a incorporação de sua alma a de uma locomotiva e puxar outros quatro vagões velozes atrás dele.

(Reprodução)

Teimoso, ao ponto de causar ira no companheiro de equipe por um duelo mortal nas curvas da casa de todo italiano louco pela cor vermelha. Essa cor que lhe caiu tão bem que dissocia-lo do vermelho seria distorcer a lógica das coisas da F1. Tanto ele como um número, uma marca, uma tatuagens que adornou muita gente que queria ter a coragem dele, a audácia dele… Senna talvez? O melhor representante destes marcados pelo #27?

Ele… não dá mais tempo, aconteceu. Enquanto a carcaça calcinada de seu bólido quica na pista ele para, inerte, quase fulminado, apoiado toscamente em um alambrado. Sua história acabou ali, e quatro décadas passam tão cruelmente com seus fãs cercados apenas pelo “e se” de suas proezas de um futuro que não existiu.

40 anos. Salut, Gilles!

(Reprodução)

Deixe um comentário