POR: Pedro Ivo Faro
Imagine que você começa um jogo de corrida no videogame no “modo carreira”, usando um daqueles famosos “hacks de dinheiro infinito”. Você progride em várias temporadas e níveis sem muita dificuldade, mas quando chega no último nível, o jogo se reprograma e pareia o desempenho com você. Pior, não só pareia o desempenho como joga o nível de dificuldade para o “Very Hard”.
Basicamente essa é a trajetória de Lance Stroll até chegar à F1 e como ele tem estado na categoria agora. O canadense progrediu do Kart até a F3, passando pela Toyota Racing Series com títulos, tudo custeado muito bem pelo pai. Sabe a carreira do Nelsinho Piquet até a F1? Então, algo parecido, mas multiplicado várias vezes, porque Lawrence Stroll (ou “Papa Stroll”, como tantos passaram a chamar) definitivamente tem muito mais grana que o tricampeão mundial.
E aí chegou o “natural” (com várias aspas) passo à F1, numa Williams que, como praticamente toda sua carreira, estava sendo custeada pelo pai.
Começo cheio de críticas
Lance provavelmente foi um dos pilotos que entraram mais cercados de desconfiança na última década e meia da categoria. Com alegações de “um filhinho de papai que está sendo bancado na categoria”, passando por “só está na F1 porque o pai é um bilionário que está quase comprando a Williams”, entre outras, comentários acintosos contra ele apareceram em profusão nas redes sociais naquele já meio distante 2017.
O desempenho nas nos treinos (e a tentativa da própria mãe do piloto de defendê-lo de comentários maldosos, num episódio que virou piada no Instagram) só foram complicando a situação. E aí veio o teste de verdade: correr contra os outros durante a temporada. Stroll teve um 2017 dentro do “esperado”: apagado, com um brilhareco meio surpreendente em Baku. E mesmo esse brilhareco teve uma trapalhada, onde ele perdeu um segundo lugar assegurado porque comemorou antes da hora e deu a posição de bandeja para Valtteri Bottas.
A temporada seguinte do piloto na Williams foi tão sofrível quanto o time estava: pontuou em apenas duas corridas durante toda a temporada. Mas aí o jogo ficou um pouco mais, digamos, brando para ele.
O “cheat code” paterno que não valeu muita coisa
Quando 2019 começou, Lance ganhou um senhor presente do pai: continuaria no grid, graças a ele ter comprado a Force India, que havia entrado em processo de administração judicial. Com isso, continuou no grid, apesar de nos anos subsequentes ter levado vareio atrás de vareio do competitivo parceiro Sérgio Perez. Ok que, em 2020, o garoto pareceu que finalmente iria engrenar, com dois pódios e uma pole. Mas a régua do companheiro de equipe ainda era bem alta: Lance ficou em 11º no campeonato, enquanto o companheiro de equipe pode ter sido considerado o “melhor do resto”, com o quarto lugar na tabela ao fim do ano.
De 2021 para cá, talvez a verdade inconveniente esteja vindo à tona com a operação da Aston Martin: Lance mostrou que não faria lambanças nas corridas e que não seria um acidente ambulante, porém, isso é um passo mínimo, quase ínfimo, diria, para a continuidade no grid.
Está certo que há pilotos que passam mais de uma década na categoria e não conseguem os três pódios e uma pole que ele tem até hoje. Porém, lembremos que ele tem literalmente toda uma equipe ao seu dispor. Ao observarmos o desempenho dele de 2021 para cá, fica evidente mais uma vez que o companheiro de time (um Sebastian Vettel que, mesmo tetracampeão, parece desencontrado na categoria), segue sendo uma régua muito alta para ele.
E agora, Lance?
Na situação que ele se encontra hoje, está cada vez mais evidente que vive – e viverá – à mercê de qualquer operação que o pai for dono. Não só por resultados pouco vistosos, mas também por ser alguém que, mesmo perante a situação que vive, parece tratar as coisas com determinada soberba, desconexo da situação preocupante de quem está apenas em 17º no campeonato.
Para piorar, não é dos pilotos mais afeitos a desenvolver um carro, melhorar um projeto nascido ruim ou de fazer um bólido mediano apresentar resultados bons (como o ex-companheiro Perez, por exemplo, cansou de fazer na Force India), uma vez que seus melhores resultados foram numa Racing Point batizada jocosamente de “Mercedes cor-de-rosa”.
Logo, após quase cinco temporadas somando resultados para lá de duvidosos, parece que Lance ainda não entendeu um pequeno detalhe: dinheiro conta muito na F1 atual, mas (ainda) não compra tudo, principalmente resultados.