Ellen X Keke

Cê sabe que é “faca nos dentes”? “Sangue nos olhos”? Guiar “mordendo o volante”?

Perguntem pra Ellen, meus caros! Perguntem pra ela o que é a soma de todas estas sensações dentro de um carro de corrida. E vocês talvez percebam que um feito não é tão pequeno quanto se parece.

Uma só? Mas chamar de grande quem tem uma vitória só? É uma GRANDE vitória. Em um planeta ponteado de machões enrustidos, ver uma mulher encarar a braba e partir pro duelo com as mesmas armas e ímpeto é de esmurrar o capô de raiva, gritar por justiça, respeito e igualdade, calar a boca dos conservadores e sua misoginia teimosa.

Eu sei, o dia da mulher foi na quarta, mas não tenho esse parâmetro para enaltecer a figura feminina, sobretudo quando ela desafia as convenções masculinizadas de hoje. Um dia, o próprio Ayrton Senna soltou a infame “mulher no volante, perigo constante”, e a brincadeira maldosa acabou na ousadia de uma mulher olhar e dizer “com o homem do lado, perigo dobrado”.

Poderia falar do cala-a-boca de Michele Mouton em Bobby Unser, da coragem de Janet Guthrie ao desafiar o perigo em ovais da Indy e Nascar, da ousadia de Maria Tereza de Filippis ao botar um capacete e cuspir na proibição. Isto e tantas outras, claro! Mas quis eu lembrar da Ellen.

Ellen Lohr, a desafiante. Keke Rosberg, o adversário. Um dia de 1992 para a história

Ellen Lohr, uma gigante que, se um dia “babou no sutiã” nas palavras de Edgard Mello Filho, ao menos babou de raiva pura no volante. Rápida, corajosa, agressiva, direta ao ponto e que ainda não entregou os pontos: continua correndo na Europa, domando um camaro na Nascar Whelen Euro Series. Nega-se a parar, correr está no seu DNA, ao que indica.

Alemã de Mönchengladbach, terra de um inesquecível Borussia, Ellen não chegou a toa no DTM alemão, que estava crescendo avassaladoramente em 1992. E naquele caldeirão de Hockenheim, depois de tantos bons resultados e a vitória batendo-lhe a porta, era a vez daquela mulher mostrar do que era feita: sangue, suor, batom e graxa, muita graxa.

Num fim de semana dominado pela marca da estrela de três pontas, Ellen era uma das destacadas do esquadrão Panzer que alinhou para a primeira prova do dia, e nem precisaria de mais uma prova para se escrever história. Ela se manteve próxima de dois dos nomes mais pesados da companhia: o celebrado Klaus Ludwig e o encapetado Keke Rosberg, ainda esbanjando classe.

Klaus, num daqueles domingos erráticos, perdeu-se em uma curva e deixou o duelo entre Ellen e Keke. Na frente dela, um finlandês campeão do mundo de F1 que não escolhia o dia para queimar lenha, e Ellen confiando no taco, nos pneus que escolheu para tentar o nó, a ultrapassagem que levantou qualquer alma daquelas arquibancadas.

Seguiram-se tentativas e aproximações até que, há dois giros do fim, Ellen pegou melhor tração e tentou emparelhar com Keke, e este mal percebeu que a tentativa de manter-se a frente foi seguida por um sutil toque traseiro. O golpe que usava para intimidar adversários voltou-se contra ele, a pequenina Ellen Lohr era a líder, ela venceria, que grande dia!

Impossível não abrir um sorriso emocionado ao ver as imagens das câmeras internas de seu Mercedes, revelando a explosão de alegria e alívio da pequena-grande bota. Sem capacete, sorrindo docemente depois de ranger os dentes curva a curva contra o Sr. Keijo. No pódio, a benção do candidato a gigante Bernd Schneider e as palmas respeitosas de Keke, um adorável competidor diante dela.

Nenhuma mais repetiu o feito de Ellen. Que droga! Quantas mais poderiam? Quantas que não pararam pela mão do preconceito e misoginia? Embora, você olhe em volta e vê que elas estão ai, aguardando e cavando a sua chance de brilhar e escreverem a suas histórias riscadas no asfalto. Miram-se em exemplos como o de Ellen, onde não existe a frescura machista do incapacitar, mas as oportunidades de dobrar a realidade doída.

Que sejam gritos de igualdade, os mesmos gritos de um motor Mercedes acelerado efusivamente pela sua pilota baixinha, invocada, cheia de ímpeto e guiando com a “faca nos dentes”, com “sangue nos olhos”, literalmente “mordendo o volante”.

Danke, Ellen!

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