Adoro as gratas surpresas, ainda mais depois de uma noite de rádio, quando você não pensa mais nada que não seja colocar a cabeça no travesseiro e dormir.
Esta tem história boa, e aqui talvez nem relacione com as pistas diretamente, uma vez que trazem memórias afetivas de uma parte gostosa destes 30 anos curtindo os carrinhos coloridos e sempre querendo saber mais. Do nada, descubro que o inoxidável Rodrigo Mattar, cátedra do motorsport no Brasil, desenterra o e-mail que mandara pra ele no ano passado, para a série “Minis com História” do canal A Mil por Hora (recomendadíssimo!).
Esta série reporta algumas curiosidades de miniaturas de modelos icônicos do automobilismo, não necessariamente F1, quase que um recorte perfeito daquele bólido em sua época, seus feitos e seu legado, dele e do piloto que o conduziu. Por lá já passaram miniaturas de protótipos, como o Oreca 07 e o Subaru Imprenza WRC a quase todo ícone da grande categoria: como o Brabham BT55 “skate”, Fittipaldi F5A e até a horrenda Andrea Moda S921.
Quis o destino que, um ano depois do estalo mental, a minha miniatura da Ferrari F310B fosse a primeira escolhida por Mattar na retomada da série. Que honra! Os confrades do G&M me surpreenderam com a notícia, mais precisamente nosso presidente de honra: Douglas Sardo, um dos fundadores deste espaço.
A descrição é perfeita, os detalhes não escapam e as memórias de Mattar são vivíssimas, sobretudo da resenha que tecemos juntos – eu, ele, e os diretores do G&M Roberto Taborda e Milton Rubinho – junto de Vicente Majo da Maia no “Vozes do Esporte”, programa da Charrua FM de Uruguaiana (RS).
Enfim, não vou me ater a detalhes, até porque Rodrigo os conta com precisão universitária no vídeo. A verdade é que o F310B me traz uma afetividade enorme na memória infantil: naquele 1997, ainda eram tempos em que a gente podia falar de F1 sem parecer alienígenas ou ficar injuriado para quem dissesse que “no tempo do Senna é que era bom”.
O Becão tinha se ido há pouco tempo e esse rabo de hype ainda podia ser sentido, mesmo que em declínio pelos anos, como tínhamos visto. Aqui por casa, o estimado Dr. Harry Boos Jr., meu primo e catedrático de biologia, era o incentivador da cultura do motorsport na família e eu mesmo já estava contaminado por aquela estranha mania de torcer para Michael Schumacher, mesmo ele estando em uma Ferrari ainda em busca de afirmação.
Minha mãe era o ponto fora da curva de toda a casa: ela torcia para qualquer um que fosse contra Schumacher, e não sei porque até hoje (nem nunca perguntei, admito). Naquele ano, a bola da vez dela era Jacques Villeneuve, o filho de Gilles que caiu na F1 como um cometa e arrebatou plateias com um jeito jovem, descolado e uma pilotagem rápida e de resultados. Já tinha sido um furacão em 1996, mas era em 1997 que ele prometia arrepiar.
A cada etapa, essa rivalidade gostosa entre mãe X pai e filho só fazia aumentar. O período de Villeneuve X Schumacher foi uma espécie de iniciador do que viria pela frente naqueles bons tempos. Cada corrida era uma atração nas manhãs de domingo, como se um ou outro quisesse se comer com os olhos, entre provocações e vibrações pela conquista de um e outro entre um gole de café ou um pedaço de cuca (as vezes servidos até na cama, para não perder um único lance).
Confesso que nem o pódio de Rubens Barrichello em Mônaco naquele ano, com a estreante Stewart, nos fez comemorar mais efusivamente do que o tento do próprio Schumacher, domando o bólido nas ruas encharcadas de Monte Carlo. Aquilo tinha mais cara de bônus do que conquista para o Brasil. Mal deu pra perceber que o ano do Rubito foi complicado, cheio de quebras, consequências de uma equipe ainda cheirando a novo.
Só mesmo final da temporada que, infelizmente, foi de uma certa raiva com o que ocorreria em Jerez, mas nem isso baixou a nossa guarda pra manter a bandeira hasteada pelo sapateiro, tanto eu como meu pai. O ápice destes momentos caseiros envolvendo F1 seria mesmo 1999, mas isso talvez eu conte em outro momento e mais detalhadamente, pois alguns destes merecem uma distinção a mais.
Noves fora, a miniatura da F310B viria bem mais tarde, naqueles tempos de febre vermelha que o Brasil vivia com a ida do Rubinho pra Maranello, mesmo com aquelas controvertidas polêmicas do “proibido de vencer”. O presentão veio no natal, um presente que sonhava dia e noite e enchia a paciência dos meus pais por ela.
Estava ela lacrada e conservada quase como um monumento na caixa da Burago, em escala 1/24, e naquele tempo era tudo que uma criança como eu sonhava, no nível de detalhamento e nas possibilidades de uma imaginação trazia dentro de si. Corria ao redor de casa com ela simulando corridas, tanta era minha sanha por velocidade que parei no psicólogo, depois de alguns pesadelos em que acabava correndo ao redor da cama.
Mas enfim, tempos que não voltam mais. Outras histórias viriam, mas ai este post de gratidão viraria uma série e ando meio resumido para escrever. De mais a mais, é parte de uma infância movida a gasolina e borracha da Goodyear, tempos que F1 era apenas encantamento e não resenha entre amigos. E, até hoje, parece que enxergo o menino brincando com sua miniatura ao redor de casa, como se ele fosse um dos carrinhos fantásticos do circo.
Ah, bons tempos! Valeu por esta, Mattar!