Em Donington, o (outro) show de um brasileiro no aguaçal inglês

Para começar este texto, vou propor ao amigo leitor um exercício de imaginação: a fase europeia da F1 começa dia 30 de Abril, no Azerbaijão, e todos sabemos que o campeonato está com franco favoritismo do conjunto Red Bull-Max Verstappen. Mas… digamos que, no GP de Baku, caia um aguaçal absurdo e, de nada, Oscar Piastri e sua claudicante McLaren comecem a escalar o pelotão e figurem no pódio a maior parte da corrida até o carro dar um problema e forçar o abandono da prova.

Parece loucura, não é? Pois foi isso que aconteceu em Donington, há exatos 30 anos comemorados hoje, e com Rubens Barrichello e uma frágil e simples Jordan de motor Hart V10. E é isso que vamos contar hoje por aqui. Mas antes, vou deixar claro: fiz o exercício de imaginação apenas para dar uma dimensão da coisa. Não acho que o Piastri seja um “novo Rubinho”, por mais que considere o australiano bom, mas foi o paralelo ideal para ilustrar.

O papo aqui é sobre o brasileiro e seu feito, que à época foi um assombro, apesar de ofuscado pelo show dado pelo Chefe.

Quem era “o tal” Rubens Barrichello?

Hoje é fácil falarmos do Rubinho. Amado por muitos e igualmente odiado tantos outros, ele divide opiniões. Foi um dos pilotos que mais correu na categoria, o primeiro a quebrar o então inalcançável recorde de Riccardo Patrese de 256 GPs disputados, dono da centésima vitória brasileira na categoria e também da 101ª e última do país.

Como gostamos de citar números, não custa lembrar: foram 326 GPs disputados, 11 vitórias, 68 pódios e 14 poles e 658 pontos. Retrospecto melhor até mesmo que os de alguns campeões, apesar de ele ter sido apenas vice duas vezes. Só que o primeiro grande cartão de visitas de Rubinho foi, ironicamente um “se”, naquele dilúvio matinal da pista britânica conhecida por 10 entre 10 formandos da F-3 daqueles tempos.

Rubinho e o chefe: eram apenas os primeiros passos do garoto dentro da Jordan, também vinda de tempos difíceis
A Jordan em 1993 naquela altura: cinco companheiros diferentes para Rubens (na foto, com Thierry Boutsen) e o anêmico motor Hart 10 cilindros

A bordo de uma Jordan que começara forte em 1991 e que passou por um 1992 frustrado com um nada competitivo Yamaha V12 e um isolado ponto no campeonato, o brasileiro não tinha, exatamente, o melhor dos conjuntos para 1993. Em uma coluna na Quatro Rodas, ele definia o 193 como “equilibrado, mas fraco”, com o igualmente nada competitivo Hart V10.

O brasileiro tinha, à época, 19 anos e já tinha uma trajetória tradicional nas categorias de base e participando em algumas transmissões de tv estando na cabine junto com Galvão Bueno e Reginaldo Leme. O filho do Rubão tinha as boas credenciais de títulos na F-Opel (antiga F-GM Lotus), F3 britânica e um terceiro lugar na F-3000 (atual F2). Donington era sua terceira corrida na categoria e ele vinha de dois abandonos, tanto na África do Sul quanto no Brasil. Donington, portanto, era uma nova chance.

O show inesperado

Barrichello partia de um nada animador 12º lugar. Mas sem que o público imaginasse, o temporal que caiu em Donington era a deixa que ele precisava para mostrar ao mundo da F1 seus dotes de pilotagem, especialmente na chuva. Enquanto Ayrton Senna assombrava o mundo com uma primeira volta lembrada até hoje, Rubinho a bordo de um conjunto muito mais fraco se aproveitou de alguns abandonos e de várias ultrapassagens para fechar a primeira volta em um surpreendente quarto lugar.

E não pararia aí! O ritmo surpreendente não era mero fogo de palha, ele viria a incomodar as “Williams de outro planeta” de Alain Prost e Damon Hill. E sim, chegou um momento que, pasme, Barrichello era o segundo, apenas atrás de Senna! Fosse Williams, Benetton, Ferrari, Ligier… a modesta Jordan 193 estava à frente de todos e atrás apenas da McLaren do Chefe. Os registros da corrida infelizmente pouco mostram o desempenho dele graças ao milagre que Senna fazia na ponta, uma pena pois o show de Rubinho também daria gosto de ver.

À medida que a corrida avançava, o desempenho do brasileiro oscilava. Em trechos secos, obviamente perdia terreno para os carros mais velozes. No molhado, retomava sem dificuldade a vantagem, lembrando que ele fez várias trocas de pneus durante a corrida pela imprevisibilidade do tempo no circuito inglês. A posição em que estava podia ser considerada uma vitória diante da insistência de Eddie Jordan, que queria que o brasileiro corresse com o câmbio manual, ao contrário de Rubens, preferindo o câmbio sequencial.

Andando com os cobras: atrás dele, só Jean Alesi (Ferrari) e Michael Schumacher (Benetton). Um terceiro lugar que se foi a cinco voltas pro fim

Faltando cinco voltas do fim, o pódio histórico parecia ser realidade, com um terceiro lugar e à frente do futuro tetracampeão Alain Prost. Mas o sonho acabou por um problema, no primeiro momento, apontado na bomba de gasolina. Anos depois, em entrevista ao portal Projeto Motor, Rubinho revelaria que o que houve, na realidade, foi um erro no cálculo do combustível.

O brasileiro explicou que a chuva foi a maior aliada, mas também traiçoeira para com a sua corrida, uma vez que o controle de tração (lembrem, estávamos em 1993, auge da eletrônica embarcada!) agia muito mais na chuva, em especial com pneus de pista seca, para evitar que o carro patinasse. Com isso, o consumo aumentava ainda mais e, infelizmente, não houve combustível suficiente para terminar a corrida.

Ao fim de tudo, os registros oficiais dão um 10º lugar ao brasileiro ao final da corrida, o que jamais refletirá, de fato, o que foi aquele 11 de abril para Rubens Barrichello.

Ficou na memória

Agora, quem acha que isso passa batido, está redondamente enganado! Além do “passe” do brasileiro ser valorizado instantaneamente, com ofertas de Williams e McLaren logo para os anos seguintes, a pilotagem na chuva virou o maior trunfo de Rubinho, que fez diversas exibições memoráveis debaixo d’água, incluindo sua primeira vitória, em Hockenheim, já no primeiro ano de Ferrari (2000).

E para além de homenagens como a que este reles escriba está delineando nestas mal traçadas linhas, fica na memória do próprio protagonista o reconhecimento. Como ele mesmo diz, “tem vitória que não é tão gratificante quanto Donington 1993”.

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