O dia de Eddie

Há 25 anos atrás, enquanto a McLaren rapava o fundo da panela da F1, a IRL vivia seu terceiro ano de cisão. Na grelha da Indy 500 daquele ano, permeada pelos Dallara-Olds e seu som característico, uma coleção de personas, conhecidas e desconhecidas, atrás do Borg-Warner e do leitinho, coisa típica para maio na terra do Tio Sam.

Entre os botas daquele ano, um deles já era figurinha carimbada da classe, mas talvez carecesse de uma grande glória individual numa carreira entre altos e baixos. Americano criado em Roma (isso mesmo, Itália), nascido na quente Phoenix, no Arizona, Edward McKay Cheever Jr. era mais um garoto daqueles que veio de longe pelo caminho mais difícil das pedras do automobilismo, tomando toco na F1, na CART, alguns brilharecos no WSC e tentando a vida como chefe de equipe.

Eddie, como ficou alcunhado, ainda carregava os calos de uma trajetória irregular ao extremo na badalada F1, lugar onde tinha dados os primeiros passos ainda com 20 anos, em 1978, com uma caquética Hesketh, vindo das categorias de base. Só tornar-se-ia piloto regular por lá dois anos depois, na estreante Osella, andando da forma como o gordo bólido do Piemonte permitia.

Vagou por alguns times até cair no seu momento de maior destaque: no cockpit dos amarelos-ovo da Renault, em 1983. Foi a melhor temporada no certame de longe, com quatro pódios mas nenhuma vitória num time que tinha o narigudo Alain Prost como líder e um dos melhores carro do grid. Registra-se, neste interim, a boa passagem com a Jaguar no WSC, em 1987, foi um grande estimulante. O campeão foi o colega de nave, o brasileiro Raul Boesel, na grande temporada dos britânicos entre os protótipos.

Na Renault, em 1983: dos tantos paradeiros na categoria, aqui viveu seus melhores dias, mesmo sem uma vitória
WSC em 1987: dupla com Raul Boesel na Jaguar, mas sem poder saborear o título conquistado pelo DJ brasileiro no mesmo carro
De chegada na IndyCar, em 1990: primeiro piloto da Chip Ganassi, mas ainda um cidadão discreto no certame por onde passou até a IRL

Perambulou mais um pouco pela fria Europa até perceber que a F1 não era lá bem mais a sua cancha, e voltou para os EUA. Na crescente CART, foi o primeiro homem do time de Chip Ganassi, mas também passou anos como um mero coadjuvante na multidão. Foi um dos caras que pegou o bonde de Tony George e apostou na aventura da IRL, em 1996, e um ano depois já se dividia como piloto e chefe de equipe por lá, um dos tantos que emprestavam seu nome e experiência para tornar grande a categoria.

Cheever tinha uma vitória com a esquadra própria, faturada no oval de Walt Disney em 1997, mas ainda contava moedinhas da carteira para manter o time. Adornou seu Dallara com uma marca de batata frita e partia do meio do grid, sexta fila, 17ª melhor milhagem. Quase ficou no muro por, pelo menos, duas vezes durante a prova e quase acabou com sua corrida em um pit stop atrapalhado.

Essa bendita sina de Eddie de não ter uma glória própria insistia em bater-lhe a porta vez em quando. Naquele dia foram algumas vezes fazendo-o lembrar: treinos e tempo de preparo a menos por falta de dinheiro, pressão constante, sustos, o teimoso fracasso em tantas tentativas, Buddy Lazier babando no aerofólio traseiro, uma mangueira de combustível traiçoeira. Que dia pra se ganhar no Brickyard.

Chega a ser bonito falar isso. O dono de um dos capacetes mais belos e icônicos dos anos 1980 tinha, enfim, uma grande glória na prateleira. Era também o primeiro dono de equipe/piloto a vencer a Indy 500 desde seu ex-chefe A.J. Foyt, que o fez em 21 anos antes. Foram mais alguns anos correndo e vivendo a vida de construtor, nada mais igual do que aquele dia de maio de 1998.

Uma cisão pode transformar aquela edição – e tantas outras – em provas da Indy 500 esquecíveis. Mas aqui cabe um parênteses: um ítalo-americano venceu naquele dia e não era um Andretti. O peregrino Eddie Cheever foi do nada ao leite em 200 voltas, faturou os milhões e pode se orgulhar de ter uma vitória cercada de uma história digna.

Uma carreira teimosa, e uma grande vitória.

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