Tem certas aposentadorias, retiradas, penduradas de chuteiras e finais que muitos não parecemos acreditar quando acontece. A pessoa tá lá, correndo, dando sangue como um garoto mesmo que esteja mais atrás do que na frente depois de anos e ai… deu, chega, não dá mais, quero parar.
Esse tipo de pessoa vira um luxuoso “móveis e utensílios” no lugar que se estabelece. Você já está esperando ela estar ali para, ou enaltece-la pela longevidade e história ou corneta-la pela teimosia e erros tolos que está cometendo.
Falando mais direcionado a esporte a motor (claro!), é aquela persona que caracteriza uma competição. Você fala o nome dela e pá, é uma modalidade específica, uma categoria específica. Ela pode ser vencedora ou um persistente piloto de meio para fundo de grid que já virou figura carimbada só de estar ali.
Mas, e quando ela sai da prateleira do nada? E, neste caso, quando quem sai da prateleira desta forma é um cidadão que fez de tudo, tem história para os netinhos a dar de rodo e, ainda hoje e do alto dos cabelos brancos, é visto do lado de fora da murada dando esporro nos pilotos?
Anthony Joseph Foyt Jr., texano de Houston, um gigante! Contar a história dele? Leia uma biografia ou qualquer outro compêndio sobre Indy, Nascar, protótipos, o que quiser que ele estará lá.
Números? Os mais superlativos possíveis: quatro vitórias na Indy 500 (sendo o único a vencer com motores dianteiros e traseiros), sete títulos da USAC (a primeira versão dos IndyCars) e outras tantas vitórias em monopostos, midgets, Nascar, endurance (incluindo Le Mans)…
Prateleiras acanoadas de troféus, fotos e mais fotos que recheiam álbuns e páginas de jornais amarelados. O cheiro de borracha queimada e asfalto quente que ainda emana nas cercanias de sua casa e empresas, sobretudo da equipe que chefia até hoje, ignorando os cabelos brancos e as limitações de oito décadas (quase nove!) de vida.
A. J. Foyt, que era chamado pomposamente pelos locutores de pista. Que já consertou (ou tentou consertar) o próprio carro durante uma Indy 500 com martelo e chave de fenda, que já deu sopapos e gritou palavrões dignos de sua grossura natural. Um sobrenome, um trovão, uma explosão que decidia e fazia, voava, batia e vencia, e como vencia.
Naqueles dias de 1993, o susto de um acidente com seu comandado, aquele que tinha apontado para ser estrela: Robby “flash” Gordon. Toques no muro, um susto, o coração apertado dentro daquele monte de carne pulsando por velocidade: chega! Não da mais pra mim.
Breves palavras com patrocinadores e o chairman de Indianapolis à época, Tony George, e estava decidido. Era a hora de parar. O tempo a qual se referia e que parecia nunca chegar, chegou. Uma simples e lenta volta festiva foi o suficiente para ele. E quando saiu do cockpit, a dura sensação de não mais voltar para lá competitivamente fez o duro texano desabar em lágrimas copiosas.
“It was a hard decision… but there comes a time…“. Tentando controlar o embargo da voz, deixou que Tom Carnegie, voz clássica das esquinas do Brickyard, repetisse sua frase final.
“Eu disse, ‘Está na hora, AJ’ Mas vamos encarar, eu não tenho sido competitivo por um tempo (…) Robby teve alguns problemas algumas vezes e eu senti como se o estivesse enganando. Eu tive que tomar uma decisão como dono de uma equipe. Não imaginava que faria isso tão rápido, mas chega um dia em que tenho que ser apenas dono de equipe.”
“É um dia muito triste para mim e um dia feliz também. Com as lágrimas escorrendo pelos meus olhos, era difícil dizer o que eu estava sentindo e vendo naquela volta final. Mas por 35 anos, olhando para as pessoas naquelas arquibancadas, foi difícil desistir”.
Palavras de quem teve que cortar na carne para compreender o momento. E pensar que já se vão três décadas que o gigante texano de olhar sério e atitudes, por vezes, explosivas está do outro lado das muradas das corridas, talvez lembrando da dura decisão que tomou, pensando no seu bem, das suas empresas e tantos pilotos que, pelas suas mãos, passaram e venceram.
Aquele era… era, não, aquele É A. J. Foyt. E ele não precisava provar mais nada. Nós que choramos de alegria por ter uma lenda viva por aqui.
“It was a hard decision… but there comes a time…”
A emoção do velho AJ no anuncio da parada para quem gosta de automobilismo,sabendo do contexto de ele simplesmente largar por 35 anos seguidos no IMS, não deixa espaço para controle de emoção.