“La macchina da corsa, per me, è come un figlio”
Como o comendador estava certo nas suas filosofias de escritório. Derreado na cadeira, ostentando seus óculos escuros de luto eterno e sem esconder, no coração, aquele tremor inconfundível do motor de todo tifosi.
E como todo bom filho, eis que ele torna a casa, aos braços da família e dos vizinhos que o viram nascer. Aquela macchina rossa que carregava nas costas o peso da obrigação, da história de um vazio que acabava no mais impensável roteiro para qualquer um: a vitória.
Naquela saudação de todo operário ferrarista, dos populares cercando as vias, na incontida urra vocal dos pilotos com os panos na mão, me veio a visão quase única de alguns anos atrás, quando o Chicago Cubs ganhava a World Series e faturava a maior gloria do baseball depois de 108 malditos anos.
Aqui, 58 primaveras não são nada, tampouco cinco décadas longe do furor de La Sarthe, mas ousei botar em quase igualdade o mesmo sentir que os velhos senhores e senhoras em prantos do lado de fora do velho Wrigley Field naquela noite de 2016: “olha, naquelas ruas de Maranello tem velhinhos bem idosos, tem homens feitos grisalhos que eram crianças nos anos 1960 que, talvez, não imaginavam viver um dia desses de novo”.
E não é? O tifosi não se explica dentro de seu fanatismo. Dos mais moderados aos mais exaltados, não há o motivo sólido e facilmente explicável para derramar lágrimas de sofrimento ou alegria a cada passagem do “cavallino rampante” pelos olhos. Nem Ayrton Senna explicava com clareza, quiçá o próprio tifosi conseguiria, é algo que vem, toma conta e provoca marés vermelhas, nada mais.
Alias, até mesmo o filho da Dona Neide acalantava, dentro dele mesmo, o sonho que era pintado de vermelho, o fascinante vermelho de Maranello que o fazia declarar-se em devaneantes palavras: “um sonho que existe no coração de cada piloto. É um mito, é uma cor, é um som, é um desenho e é o amor que tem a maior torcida no mundo todo”.
A Ferrari, ela própria que move a massa e a memória, cuja tradição secular faz ser inimitável até mesmo os velhos e saudosos roncos dos 12 cilindros. Nem Von Karajan e seu ouvido eram capazes de igualar a mesma harmonia sonora com os instrumentos e as partituras. Talvez, a vistosa 499P, a dona da nova página histórica, não tenha a mesma sonoridade pomposa, mas o sangue é vencedor, foi batizado pela brisa bleu-blanc-rouge que os italianos não sentiam por décadas.
Foi a pura definição do milenar termo do tempo do Império Romano: “veni, vidi, vici” (vim, vi e venci). Poderia não ser a grandiosa favorita, mas puxou para si o louro. Esperava-se o #50 na cabeça, mas o bólido #51, a boa ideia feita quase que “patinho feio” nas atividades, foi a laureada. Um trio impetuoso, um rapaz de pé pesado e pouco juízo como Alessandro Pier Guidi, e tão necessário quanto: veio a conquista com direito a voltas quase a beira da decolagem, despetalando as flores de cerejeira nipônicas.
Em um tempo de tantas ilusões do outro lado da cerca de Fiorano, onde a turma da F1 trabalha e toma café, a AF Corse rasgou a alma da massa rossa mundo afora. Puxou para si um trofeu que já foi lhe arrancado a força no domínio dos GT40 e na forra alemã nos derradeiros anos da presença vermelha em La Sarthe.
E, num olhar cru que possa parecer forçado, quis a memória dar este capricho: fazer justiça com quem esteve tão longe daquela casa centenária e da forma mais dramática e caprichosa. Clássico ferrarista, tanto quanto o comendador, o mito Nuvolari, Ascari e Fangio, o “piccolo canadese“, a Red Barchetta, o Flat 12 e o V12, o engenheiro Forghieri, o numero 1 Silvio Ferri. Faz parte da ópera, fez parte da nossa mente e fará por tempos.
E logo virá Monza e sua prova de seis horas. Passada a ressaca, com certeza será uma ode a Baco sem fim, com exaltação a todos os vultos históricos possíveis (isso se o vinho aos borbotões deixar). Falamos isso em uma prova normal, imagine se uma nova vitória acontece? Ai é feriado nacional, pedido na segunda-feira seguinte a Sergio Mattarella sem disposições em contrário.
Mesmo quem não é tifosi, sorri. A Ferrari causa sensações e “faz coisa”. Reflexos de quem vive e respira automobilismo e entende tudo isso com absoluta normalidade, parte do processo.
Como é bom ver a história escrita, como é bom ver Maranello celebrar.
Como é bom ver a Ferrari vencer, admito.
mandou bem, ótimo texto
“TIFOSI, LEVANTA, É O GAROTO QUERENDO ESCREVER SEU NOME NA HISTÓRIA”
Pqp, mesmo eu, cujo coração bate na balada de um V8 crossplane e seu borbulhar a lá Nascar, não consigo ficar incólume a esse grande momento do Automobilismo. Foi lindo!