Schumacher, as curvas e o destino

Neste Dezembro de 2023, mais precisamente no dia 29, completa-se uma década do acidente sofrido por Michael Schumacher na estação francesa de esqui de Meribel. O acidente, como é sabido, provocou lesões cerebrais graves no heptacampeão, e passada toda essa dezena de anos, não se sabe exatamente ou precisamente a extensão dos danos à sua saúde. Sempre reservado quanto à vida particular, não era de se esperar nada diferente da postura da família do piloto, ainda mais em um tema tão delicado.

Schumacher, ao que se sabe, era uma pessoa absolutamente simples, bastante ligado à família. A exemplo de seu ídolo Senna, era extremamente altruísta (doou grandes quantias de dinheiro para vítimas do Tsunami de 2004 e inúmeras outras causas não noticiadas) e até adotou uma cachorra em 1996, na ocasião do GP Brasil daquele ano.

Mas assim também como Senna, havia o lado exatamente oposto ao altruísmo: era terrível com seus adversários na pista. Não poucas vezes, teve seu caráter posto em cheque, seja pela postura agressiva na pista ou por lances controversos. Sim, não é preciso relembrar, mas foram tão notórios que vêm fácil à mente: Austrália 1994, Jerez 1997, Áustria 2002 e Mônaco 2006 foram os mais famosos.

Proporcionalmente, fica uma ode aos momentos brilhantes, que atestaram definitivamente a sua genialidade: Spa 1995, Espanha 1996, Hungria 1998, Suzuka 2000, passando pela famosa vitória com quatro pitstops em Magny Cours 2004. Isso sem contar obviamente seus recordes, que foram por muito tempo considerados imbatíveis e eram um atestado de sua competência e talento. Existia a impressão de que absolutamente nada era impossível para o piloto alemão, sendo possível contar nos dedos os raros erros de pilotagem.

Schumacher celebra o hepta em 2004: recordes e o nome gravado para sempre na história do esporte

Quando de sua primeira aposentadoria (despediu-se das pistas com uma atuação impecável no GP Brasil 2006), o mundo da F1 sabia que encerrava-se ali um importante capítulo de um dos seus personagens principais. Seu retorno em 2010 certamente não atendeu às expectativas tanto dele quanto dos fãs, mas sua marca já estava bem escrita na história do esporte.

É de se imaginar, que ali, dentro do capacete ele próprio pudesse dar uma lufada de alívio por ter conseguido fazer essa ou aquela curva após atingir o limite em todos aqueles anos de Benetton ou Ferrari. Ele, um conhecido inovador na arte da frenagem – segundo a telemetria, freava pouco, tarde e compensava na direção com sobreesterço, fazendo jus à sua habilidade de kartista, fazendo todas as curvas com irritante capricho.

Era raríssimo vê-lo cometer erros, somente quando estava tentando superar limites para ser o mais rápido. Segundo muitos dos profissionais que trabalhavam com ele, era alguém obstinado a buscar a perfeição e ia além do limite se fosse necessário. Quem testemunhou toda a sua carreira, pode comprovar isso. Esse limite foi bem demonstrado em cada curva, em cada freada ao longo de quase trinta anos de pista, estando quase sempre a 300km/h!

Schumacher conduzia o carro com a habilidade de um kartista, com raros erros

A crueldade do tal destino é implacável. A ironia de se atestar que, após correr tanto risco, ele tenha sua vida quase ceifada por uma queda em uma velocidade muito menor do que o ritmo que ele acostumou viver…e ainda mais, não pode ver o desenrolar da carreira de seu filho Mick, que hoje certamente gostaria de ter a presença do pai nos autódromos.

Considero leviano o conceito de destino. Dizer que tudo o que uma pessoa ou ser há de viver está traçado previamente, sem que a interferência destes mesmos vá resolver ou prevenir o resultado final é bastante tacanho e isento de conteúdo. Nossas ações certamente definem quem somos, mas não há de existir um fator que seja agente determinante naquilo que temos a viver, seja no futuro próximo ou distante.

Entre os sustos, o mais grave foi o acidente em Silverstone 1999: perna quebrada e afastamento das pistas por meia temporada

Seus olhos viram a barreira de pneus chegando cada vez mais próxima na saída da Stowe em 1999, onde ele acabou com a perna quebrada, passando ainda antes disso no susto daquele embaraçoso enrosco com Coulthard no dilúvio de Spa em 1998, tendo ainda escapado do incrível acidente da largada naquela mesma corrida. Outros poucos incidentes ocorridos em treinos (a capotagem em Melbourne 2001) ou o furo de pneu a 300 km/h testando em Monza, 2004, que com certeza assustaram e pareceram deixar uma incômoda impressão que a sorte poderia cobrar seu preço a cada vez que o tempo passasse, ou algo que sugerisse que o tal destino estivesse ali, na espreita, apenas observando.

Na Tamburello em 1994 viu o destino cobrar o preço do seu ídolo. A partir dali, assumiu o protagonismo das pistas e, a exemplo do que Senna tinha feito no sábado anterior à sua morte, tomou a dianteira em assuntos relacionados à segurança, como no Grande Prêmio da Itália de 2001, onde, ao relembrar da conturbada largada do ano anterior em que resultou na morte de um fiscal, sugeriu aos pilotos cautela na primeira volta. Não foi atendido.

O grande Graham Hill certa vez disse – ele ainda, alguém que tinha, em cada corrida, um encontro com o nefasto vilão chamado destino: “Cada vez que um de nós morre, é a sorte vindo nos cobrar a fortuna que temos tido em todos esses anos”.

Destino? Azar? Não, somente a vida e seus caprichos.

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