O australiano bicampeão de MotoGP Casey Joel Stoner, nascido em Outubro de 1985 é o exemplo clássico de esportista que abandonou a carreira justamente quando parecia que o melhor estava por vir. Ou pelo menos, a percepção de aposentadoria precoce e que o auge estava ali, juntamente com a decisão de pendurar luvas, capacete e macacão.
Nascido na região costeira da Austrália, rumou bem cedo ao Reino Unido para perseguir o sonho de ser piloto de motos, dada a sua rápida adaptação logo aos quatro anos de idade. Isso envolveu sacrifícios por parte da família: simplesmente venderam tudo o que tinham para custear a empreitada.
Quando completou quinze anos de idade, e a partir do ano 2000 correu os campeonatos britânico e espanhol da categoria 125cc, tendo vencido a versão britânica com uma Aprilia.
A partir daí, o caminho para a disputa do campeonato mundial 250cc foi conseguido através da equipe do ex-piloto Lucio Cecchinello (da mesma LCR Racing), guiando uma Aprilia. A adaptação não foi fácil, e o retorno à categoria base no ano seguinte (2003) foi necessário, pelo menos garantindo os primeiros pódios e a primeira vitória, na etapa derradeira daquela temporada, em Valência, finalizando o campeonato na oitava posição. Muda de ares para 2004, guiando a KTM 125FRR e finaliza o ano na quinta posição, com seis pódios e mais uma vitória para a conta.
2005 marcaria o seu retorno para as 250cc, novamente firmando parceria com Cecchinello. A partir da metade da temporada, tornou-se candidato ao título e ameaçou o bicampeonato de Pedrosa. Até a sua queda na corrida caseira de Phillip Island, tinha chances, mas no final do ano um vice sólido não foi pouco. Ainda em Outubro daquele ano, visualiza um teste com a Yamaha para subir para a categoria principal juntamente com a LCR, e também tem ofertas da Honda Pons. Numa reviravolta, testa a Honda RC211V em Valência com a LCR após Sito Pons não assegurar o patrocínio necessário.
Na sua chegada à categoria principal, adapta-se rapidamente e logo nas primeiras etapas surpreende a todos. Conquista sua primeira pole position na segunda prova do ano, em Losail e na terceira prova, no circuito de Istanbul lidera de ponta a ponta até ceder a vitória para Marco Melandri. O segundo lugar ficou com gosto amargo mas o cartão de visitas estava apresentado. Ao longo do ano, acumula diversas quedas e precisa improvisar seu estilo de pilotagem. O oitavo lugar na temporada de estreia passa longe de ser impressionante, mas o melhor estava por vir. Uma ousada aposta na Ducati (de ambos os lados) dariam frutos.
Com a introdução do novo regulamento para a temporada 2007, com motores de 800cc, a Ducati, que vinha no seu quinto ano, buscava em Stoner um novo talento para liderar a marca, já que o veterano Loris Capirossi dava sinais de saída.
Este novo regulamento entregava motos com menor capacidade cúbica de motor, mas com torque absurdamente desmedido. A adaptação para todos os pilotos foi problemática, e foi justamente aí que o talento do australiano foi provado e demonstrado: sua tática de usar o powerslide (derrapagem controlada) na roda traseira lhe conferiu enorme vantagem. Era um feito admirável usar uma característica de sua própria pilotagem para compensar a força ampliada de torque do motor desmodrômico característico da marca italiana. Foram três vitórias e um pódio nas primeiras cinco corridas e nada menos que dez vitórias ao longo de toda temporada. Para ilustrar melhor como seu estilo e performance foram superlativos, somente Capirossi e Alex Barros (dois veteranos) conseguiram resultados expressivos com a mesma moto, inclusive com a vitória de Capirossi selando o título para ele no Gp do Japão daquele ano. Era o primeiro piloto a vencer um campeonato com uma Ducati, o primeiro a vencer com uma marca não japonesa desde Phil Read com a MV Agusta em 1974, e assim foi até 2022!
Em 2008 na defesa do título, ficou como vice de Rossi e 280 pontos, a maior quantidade de pontos para um piloto não campeão, finalizando o ano com seis vitórias. Para 2009, recebeu o campeão de 2006 Nicky Hayden como companheiro de equipe.
Stoner descobriu ainda nesta temporada de ser portador da CFS (Síndrome da fadiga crônica), uma desordem generalizada no organismo que causa cansaço e fraqueza. Esse prognóstico aplicado a um atleta de alta performance e que corre riscos frequentemente não é exatamente um cenário favorável. Mesmo assim, um início de temporada muito bom, com vitória na etapa inaugural no Catar e mais uma em Mugello, até ter de se ausentar por três etapas por conta do agravamento da síndrome. No retorno para finalizar o ano, vence novamente em casa e no gp da Malásia. Finaliza o ano em quarto. Em 2010, mais uma temporada aquém do esperado, com muitos abandonos e novamente o quarto lugar. Stoner foca em resolver seus problemas de saúde e anuncia sua ida à Repsol Honda, retornando a pilotar a RC212V depois de cinco anos.
O início desta parceria não poderia ser melhor. Nas seis primeiras etapas, seis vitórias, quatro poles e cinco pódios. Era evidente a melhor forma de Stoner e o seu entrosamento com a máquina.
Tudo parecia perfeito, até chegar a etapa de Sepang, penúltima corrida daquele ano. Um gravíssimo acidente ainda na primeira volta envolve Valentino Rossi, Colin Edwards e Marco Simoncelli, que veio a falecer. Simoncelli vinha tendo uma temporada destacada (para o bem e para o mal), com boas performances, pole positions e pódios mas também alguns acidentes polêmicos, como o que causou a ausência de Dani Pedrosa por três etapas. Simoncelli era visto como um futuro astro do esporte e sua morte deixou uma marca profunda entre os pilotos, que um ano antes já tinham visto outra fatalidade (Shoya Tomizawa, na Moto2 em Misano, 2010).
O adversário mais próximo era Jorge Lorenzo, mas ao chegar à etapa australiana, território muito confortável para Stoner, o espanhol sofre uma queda nos treinos, perde a falange do dedo esquerdo e se ausenta da disputa até o fim do ano, permitindo a Stoner vencer a prova de casa no dia de seu aniversário e se sagrar bicampeão do mundo.
Na defesa de seu título, um início promissor de temporada, com um pódio no Catar e duas vitórias consecutivas, em Jerez e Estoril. Ao chegar em Le Mans, surpreende a todos na entrevista coletiva anunciando sua aposentadoria. Segundo ele, era chegada a hora de dedicar maior tempo à família e se preservar por conta do desgaste que anos de dedicação ao esporte lhe haviam causado. Para além destes motivos, Stoner também estava muitíssimo insatisfeito com as regras técnicas e politicagem da categoria. Ele era abertamente contrário à adoção das motos CRT (motos de equipes menores com marcas diversas e com aplicação de concessões).
Vence ainda em Assen e Laguna Seca, mantendo vivas as chances do tricampeonato. Uma semana seguinte, em Indianápolis, sofre uma queda violenta após um highside (ejetado da moto após a aceleração), resultando em rompimento dos ligamentos do tornozelo. Declarado apto para correr, chega ao grid de muletas e capitaliza um quarto lugar. Ausente das próximas três provas, retorna em boa forma para garantir três pódios. Não deixa de vencer, pela sexta vez consecutiva, o seu Gp caseiro, defronte à sua torcida no magnífico circuito Phillip Island. Na volta de desaceleração, o ritual de sempre: bandeira com o eterno número 27 e recebendo os aplausos dos compatriotas orgulhosos.
Não menos de uma vez, destacou os desafios e as reflexões que fez após se aposentar: o esporte é tão exigente e desgastante que o fez estar fora de si muitas vezes, tendo inclusive dado uma declaração surpreendente: “Quanto melhor eu corria, mais eu queria morrer”.
Para alguém que conquistou por duas vezes o título mundial, com duas motos diferentes, tendo vencido dez vezes nessas temporadas e tendo ainda deixado como legado um estilo extremo e incomparável habilidade, é esperado inclui-lo no rol das grandes lendas do esporte, e não é uma aposentadoria precoce para viver ao lado da esposa e filhas que deve pôr sombra a isso.