Yannick Dalmas, francês de braço bom na pista, campeão quatro vezes de Le Mans com quatro regulamentos diferentes, além de ter tido boas presenças no DTM com carros da Opel.
Na F1, insignificante.
Bernd Schneider, referencia de Michael Schumacher no começo de carreira e multicampeão do DTM na fase áurea da categoria alemã.
Na F1, despercebido no grid.

Jacky Ickx, um gigante das 24h, o “Monsieur Le Mans” com seis vitórias em La Sarthe, somando-se mais duas nas 24h de Daytona, duas nas 12h de Sebring e um Paris-Dakar. Um dos mais completos pilotos de todos os tempos.
Na F1, pouco referenciado por não ser campeão.
Raul Boesel, o único brasileiro campeão do mundo no antigo WSC (o WEC de outros tempos) com a Jaguar, além de passagens marcantes pela Indy nos anos 1980 e 1990. No endurance, é o unico brasileiro a estar no Hall da Fama da modalidade.
Na F1, passagens apagadas e hematomas de uma briga nos pits em Montreal.


A caçada de cliques feita por alguns ditos “especialistas” da era moderna do automobilismo é capaz de riscar as réguas do que é ser um piloto de sucesso ou um esquecível, na crueza do termo. Em tempos onde o caminho é tornar a categoria dita máxima rentável e “curtivel”, vale qualquer bait para capturar curiosos pela velocidade, aqueles que estão entrando nesse mundo pelos blockbusters conhecidos.
E neste estabelecimento de regras e estatísticas, a superficialidade da discussão em busca do clique é capaz de obscurecer nomes que, ainda em um tempo sem o volume informativo que temos hoje, descobriram que havia vida fora do grid milionário da F1. Estar estabelecido e competitivo em outras modalidades era a motivação, fora o salário e o prazer de trabalhar com o que se gosta e o que se sabia fazer.
Para muitos, os holofotes do andar de cima (se é que há o andar “de cima”) não eram tão atraentes e a fama como bom na profissão vinha de outros caminhos e rincões: uma prova de longa duração como a prestigiada Le Mans, voltas feitas na extrema precisão como Indianápolis ou o teste máximo da resistência e estratégia como os desertos do Dakar, cada campo com seu ponto máximo e seu olimpo, as vezes mais importante do que as primeiras páginas esportivas.
Lutar contra o simplismo do “apenas ser campeão de F1” é ingrato desde muito tempo, e recentemente torna-se ainda mais ingrato e injusto. Os novos influencers do volante, movidos pela posição construída no mercantilismo da Liberty, traçam o parâmetro e se colocam num hipotético “lugar de fala” para determinar quem é o maior e quem é apenas nota de rodapé, sem se preocupar com feitos que não significam cliques e curtidas.


É claro, há alguns nomes que não se salvam em nenhum lugar, mas a divisão feita é, cada vez mais, traçada de forma grosseira e simplista, sem ponderar a vida fora do grid e dando enfoque aos contratempos, vexames e complicações passadas quando se tentou dar o passo maior. Os quatro nomes acima são apenas alguns exemplos, e muito poucos são os que reconhecem o valor que eles tem no oficio.
Fato: existe vida fora da F1 e as conquistas são tão grandes quanto. Tom Kristensen não precisou da F1 para ser gigante em Le Mans como é, nem mesmo o cômico Perry McCarthy, dono das resenhas mais loucas e pesadas da categoria ficou sem um louro pra vida: ele foi o primeiro “The Stig” do prestigiado programa automotivo britânico “Top Gear”, usando o que tinha de habilidade para testes extremos.
Por isso que não me fascino com a série sobre Ayrton Senna e tampouco este filme com a temática da F1 que virá em breve. Para quem consome mesmo a velocidade, o mundo é bem mais amplo e a curiosidade sobre o que há por cima da cerca é bem maior. Volto a usar o WEC como exemplo, que vive uma nova fase dourada e desperta curiosidade sem fim pelo ontem e hoje do endurance mundial.
Não são todas as cabeças que pensam assim, e até mesmo a mídia da “linha de frente” costuma fazer destas distinções esdruxulas com vistas de encontrar, até mesmo, personagens cômicos e bizarros em um grid. Ukyo Katayama é outro deles, um piloto que vivia no limite comprovado da máquina como os Tyrrell, Venturi/Larrousse e Minardi que guiava, pagando as vezes com escapadas e acidentes a tentativa de tirar o máximo.


Katayama é só um exemplo, em especial, da execração publica que qualquer piloto japonês foi colocado nesta máxima de “F1 é o mundo”. Fora da categoria, quase levou a primeira Le Mans para a Toyota e, ainda hoje, é tratado como um grande no Japão, assim como gente do quilate de Satoru Nakajima, Aguri Suzuki e tantos outros vistos na prateleira de cima como “japoneses que mal enxergavam para frente”.
E ainda mais, o que falar da Argentina, cujo cenário do motorsport interno é tão grande e tradicional quando o Brasil e, em momentos, até o superando. Pode-se até rir de gente como Esteban Tuero ou Norberto Fontana, mas o peso deles dentro da cerca portenha é muito maior do que se imagina, e o argentino defende seu “PIB veloz” com unhas e dentes mesmo quando o revés é grande (Colapinto que o diga).

Portanto, cair na bobagem de se elencar um “clube dos esquecíveis” do grid é ofensivo, pobre de conteúdo e feito para o puro bait. Um piloto ou pilota busca o sucesso independente aonde ele vai encontrar nas pistas ou no cascalho. A F1 é uma vitrine, mas não é um ponto maior entre os outros pontos maiores, e em outros pontos maiores estes botas de ontem e de hoje sonham acordados em estar.
Falar para Alex Palou que a F1 é maior que Indianápolis soaria uma ofensa. Falar para um Giovinazzi que a F1 era aonde ele deveria estar e não em Le Mans é fora de senso, falar à um Montoya que nunca tivesse trocado a F1 pela Nascar é contrariar vontades e agir de acordo com a régua imposta.
Se serve como dica: você que está começando a ser contaminado com a velocidade pura, não se deixe levar pelo simplismo dos aventureiros. Há uma fauna bem maior fora da prateleira de cima, e lá temos heróis tão grandes quanto os que lá estão, e muitas vezes bem melhores e mais respeitáveis.
O resto? É bait, e ele tá ai… e cai quem quer.
