O Enzo que nós lembramos não se chamava Enzo.
Não é um homem cujas prateleiras são forradas por livros e revistas apaixonadas recordando a história de suas glorias e criações.
Este Enzo estabeleceu firma na parte mais calma e bucólica de Turim. A comuna pacata de Volpiano. O quadrado mais cheio de graxa e barulho da vila, por vezes adornada de azul e branco.
Enzo tinha seus protótipos feitos quase a martelo. Adorava subir montanhas e tinha nome e expertise para isto.
As máquinas de Enzo não eram os carros “mais bonitos” onde corria, mas a sua persistência o premiava com bons dias sempre que possível.

Quando Enzo começou a vida na categoria maior, o Enzo mais nobre ainda era vivo e descabelava-se por debaixo dos óculos escuros com o momento tenebroso de seus bólidos cor-de-carmim.
E o Enzo mais sóbrio era o típico racer, o garagista das antigas, um simples amante do mundo veloz que, ao ser preciso, colocava ele mesmo a mão na graxa para apertar uma biela teimosa.
O Enzo famoso blefava com a F1. O Enzo do chão-de-fábrica contava os caraminguás do bolso para, mesmo que na base do reaproveitamento disfarçado de “atualização”, poder largar no ano seguinte.
No caixa, vinha de tudo. De toucador a cabelos, servia para inteirar a conta. E quando não tinha nem isso, que viessem os pagantes, aqueles que engrossavam o caixa com o patrocínio e procuravam uma vitrine para mostrar-se.


Raros eram os momentos que Enzo azul vibrava com algum ponto, quase um trocado em forma de glória. Por vezes, seus bólidos e pilotos intrépidos encontravam-se com os bólidos do Enzo vermelho em posições de glória, e abertas eram as passagens quando possível.
Na melhor das chances, um dos seus pagantes carimbou um quarto posto perto de casa, no templo de Monza. Nem isso valeu para a tábua do fim do ano. Regulamento e suas “crueldades”.
Contam-se na carteira de Enzo mais tentativas do que objetivos conquistados. Só que para um racer, um persistente otimista talvez vale mais do que um vitorioso sempre a margem do risco da queda.
Por uma insólita década, Enzo viveu o sonho e persistiu com o pouco que tinha: equipamentos produzidos e remanufaturados quase no “olhômetro”, motores defasados e frágeis, pilotos honrados com a máxima de ser um número em tempos de superlativos.


Talvez ai resida a grande glória do Enzo modesto. A época onde ousou tentar ser um, haviam vários, da frente e de trás do certame. A luta inglória do “largar e chegar”, muitas vezes, era o que restava para brigar, isto para depois se preocupar se a poupança daria para chegar em outro país, outra cidade, outra temporada terminada.
Em um momento, Enzo cansou, e ao contrário do par de Maranello já morto em seu tempo, abandonou a cadeira de dono e pediu para se retirar. Não saiu como um glorioso que permeia a boca das gerações atuais, aparece como um “pária”, um “insignificante” dono de um puxado de equipe que mais foi número e motivo de riso.

Isto para eles. Não para os que enxergam o grid além dos seis, oito ou dez primeiros. Enzo venceu, fez tudo com o pouco que tinha e ainda era capaz de sorrir com os amigos no fim do dia com um prato de boa massa, mesmo em tempos de vacas magérrimas. Estar entre os grandes no tempo das decisões escusas e milionárias – e sair vivo delas – era a grande conquista.
Ou simplesmente: correr era a grande conquista. Fazer correr e, se não vencer, lembrar que foi um teimoso.
Tanto que continuou subindo montanhas e criando bólidos na pequena oficina. E hoje, uma página de história que fica.
O Enzo que não era Enzo.
O teimoso mecânico de Volpiano
Vicenzo Osella (1939-2025).