A última curva e o 7×1

A alcunha dolorida do passado: “complexo de vira-latas”. Acostumados a derrotas e a não lograr êxito em quaisquer que fossem as modalidades esportivas, a autoestima dos entusiastas por esporte era costumeiramente golpeada pela eficiência e supremacia técnica de países muito mais ricos. No futebol, esporte que era cada vez mais adorado pela população, a certeza da vitória na Copa do Mundo de 1950 acabou por se tornar um pesadelo que levou oito anos para acabar.

Com a conquista de duas copas consecutivas e o surgimento do atleta que foi o maior expoente do esporte, Pelé, aquilo que antes era timidez e insegurança tornou-se identidade e formou imagem, mas esse mesmo orgulho foi avassalado na ilusão da eliminação daquela que foi a pior campanha de todas as copas, em 1966. Recobradas as forças, a copa do México acabou por ser a epítome de futebol-arte. O time encanta o mundo e a realeza se despedia das copas, deixando ainda a marca indelével da supremacia do futebol do Brasil. Exatamente neste período, surge Emerson Fittipaldi.

Os dois títulos e um vice num espaço de apenas cinco temporadas forjam na torcida um gosto pelo esporte antes destinado somente às elites europeias. O automobilismo é tão fortemente presente que surge então a Copersucar-Fittipaldi, primeira e até hoje única equipe do país no esporte. Novamente, o país acostumado a vencer não tem paciência com o tempo que se leva para chegar ao topo, e o que era para ser motivo de orgulho e receber apoio pelo pioneirismo acaba por cair em desgraça na opinião pública, sendo tristemente alvo de chacotas, que é inclusive uma vertente da psique do povo deste país. Nem mesmo com a presença do então bicampeão Emerson, a equipe teve trégua.

Emerson se cansa, e no momento de sua saída surge Nelson Piquet, que de forma discreta segue os mesmos passos de Emerson. Vence nas categorias de base, consegue correr ao lado de Niki Lauda e assume a dianteira na Brabham. Os títulos de 1981 e 1983, conquistados com imensa dose de astúcia resgatam o gosto pelo esporte no torcedor. Seguiu-se Senna e sua espantosa velocidade com o carro idêntico à Lotus do primeiro título de Emerson e junto de um inédito tricampeonato por parte de Piquet em 87, faz o país conquistar quatro campeonatos em cinco anos.

O torcedor comemorava o impensável feito: com o oitavo título em 1991, o Brasil era o país com mais títulos de pilotos por nação em toda a história do automobilismo. Ter chegado à supremacia em dois dos esportes com maior projeção mundial instaurou um óbvio e imediato senso de supremacia e dominância na mente do torcedor. Não é preciso dizer que esses mesmos esportes eram onipresentes na mídia, no imaginário, no cotidiano e no senso comum da vida da população.

Mas o lado ruim das derrotas, o imponderável e o impensável quando chegavam vinham com uma dose chocante de realidade e consciência. Em outras palavras, o torcedor acostumou tanto a ser vitorioso que não se pôs a aprender com as derrotas. Bastava um revés da seleção que o pranto era convulso e coletivo, e no automobilismo eram frequentes e muitas vezes injustificadas as críticas, ainda mais que as mesmas eram fundadas somente na performance da corrida de domingo.

Com a tragédia de Ímola 1994, o torcedor projetou o sentimento de luto em forma de impaciência e uma cruel dose de deboche. Rubens capitaneou tudo isso de forma voluntária e involuntária. Muitos candidatos se seguiram, muitas foram as frustrações e a corneta do torcedor estava pronta para a troça a cada quebra, a cada rodada e a cada desilusão. Uma trégua foi dada naquela manhã de Julho de 2000. Sete anos de jejum e um desabafo estampado no choro pueril de Rubens no pódio.

Neste mesmo período, a seleção conquistou duas taças e um vice nas copas, e novamente a soberba deu lugar à razão e as decepções na copa do “quadrado mágico” e da seleção de Dunga prepararam o terreno para o fatídico “Mineiraço” de 2014. Seis anos antes, naquela escura tarde de Interlagos em 2008 ninguém estava preparado para o choque que foi aquela ultrapassagem de Hamilton na última curva da última volta de um campeonato perdido por um mísero ponto, mas não seria necessário suplantar para sempre o interesse no esporte por parte do torcedor médio, que mais uma vez procurou culpar eventos isolados (a mangueira, o Glock, O Nelsinho) do que o todo.  Com o mesmo efeito, não é preciso pensar muito para se lembrar de como era impensável uma derrota por sete gols em uma semifinal em casa.

O maestro Fangio disse certa vez uma sábia frase: “Muitos vão dizer: você é imbatível, você é o melhor. O perigo é crer nisso”. Para o torcedor razoável, isso poderia ser passado com a ideia de que não sejamos tão cruéis ao ponto de não crer em nossas capacidades, mas não sejamos também tão soberbos a ponto de não acreditar na derrota.

Sem complexo de vira-latas, mas também, sem devaneios de cachorro grande.

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