Alexandre, o grande

Sempre que se fala no esporte a motor no Brasil, imediatamente vem à mente de todos os três campeões mundiais de Fórmula 1 – Fittipaldi, Piquet e Senna, e também os demais pilotos que conseguiram vencer na categoria. O motociclismo, bem difundido por aqui, mas sem maior atenção, teve em Alexandre Abrahão Coelho de Barros, o Alex Barros, o seu maior expoente. Não poderia ser diferente, afinal ele esteve no mundial de MotoGp por 21 anos, sendo 19 temporadas ininterruptas. Deteve o recorde de provas disputadas (246), sendo batido somente sete anos após sua retirada.

Barros (7) competiu junto com o irmão, César Barros (77) na infância.

No início da carreira, nas suas primeiras provas dos campeonatos de mobilete, duelava contra pilotos quase sempre muitos anos mais velhos e vencia. É famosa a história do senhor Antônio Coelho, seu pai, que ao ser levantado pelos adversários que o pequeno Alexandre estaria levando vantagem por ser muito leve esbravejou: “Ele é mais rápido porque treina mais. Querem colocar lastro? Coloque e ele vai levar vantagem porque passará a ter estabilidade nas curvas e vai bater recordes”! Ele e o irmão, César treinavam até a noite, com o pai seguindo os dois de faróis acesos em sua Caravan. Os treinos foram se intensificando, muitas vezes acompanhava pilotos mais experientes em motos mais potentes no anel externo de Interlagos. Nos campeonatos nacionais, aos 13 anos já era um veterano. César teve problemas de saúde na infância e infelizmente não pode acompanha-lo, mas com muita luta, chegou ainda a disputar corridas da categoria 125 entre 1997 e 2000 e uma temporada completa na categoria 250cc em 2001.

 

César Barros competindo no mundial das 250cc em 2001

Nos seus primeiros anos contou do apoio de patrocinadores brasileiros, entre eles Bruno Caloi, da famosa e consagrada bicicletaria. Seu talento realmente estava chamando a atenção, e por intervenção do apoio dos patrocinadores e de Eloi Gogliano, presidente da Confederação brasileira na época e importante personagem no esporte a motor brasileiro, conheceu a família venezuelana Ippolito, apoiadora do piloto campeão mundial Carlos Lavado e dona da Venemotos.Estreou aos 15 anos de idade, no mundial na categoria 80cc. Corre as temporadas de 1986 e 1987 e as duas seguintes nas 250, pilotando a Yamaha TZ250, sem apoio oficial da marca. Seu empresário Pedro Faus, atuante no motociclismo brasileiro o levou a conhecer Jaime Alguersuari, importante figura do então crescente motociclismo espanhol, que revelaria ainda Sito Pons, que viria a ser seu chefe de equipe com Honda satélite.

Versatilidade: Muitos modelos de motos diferentes ao longo da carreira. Aqui, na Cagiva GP500, de 1992

Na principal categoria do motociclismo mundial, estreou em 1990 pilotando a Cagiva (GP500), tendo como companheiros Randy Mamola e Ron Haslam. Conquistou o primeiro pódio em 1992, ano em que foi companheiro da lenda Eddie Lawson na pista holandesa de Assen, que seria sempre marcante em sua carreira, para o bem ou para o mal.

Chega à Suzuki em 1993, tendo como companheiro outra lenda, Kevin Schwantz. Em um ano marcado por grandes performances, teve o azar de cair justamente quando a vitória parecia certa (Gps da Holanda em Assen e Espanha em Jerez). Kevin venceu o campeonato marcado pelo fim da carreira de outro grande expoente do esporte, Wayne Rayney. Ao final do ano, Barros finalmente vence, justamente na última prova, o GP FIM em Jarama, igualando Adu Celso, único brasileiro até então a vencer uma etapa do mundial, exatamente na mesma pista vinte anos antes, o GP da Espanha de 1973 (categoria 350cc).

Na Suzuki RGV500 em 1993: vitórias certas escaparam pelas mãos
Jarama, Espanha 1993: Primeira vitória nas 500 veio na última etapa do ano

É possível afirmar com tranquilidade que seu talento foi posto à prova de forma rígida. Foi preciso a ele se adaptar em diferentes marcas e equipes ao longo de todos os anos. Tendo começado de Yamaha (TZ250) nas 250, passou por Cagiva (GP500), Suzuki (RGV500), Honda (NSR500 e RC211V), Yamaha (YZR-M1) e Ducati (GP7), quase sempre em equipes satélite.

A partir de 1995, seguiu-se uma parceria com a Honda que duraria nove temporadas, tendo como ponto alto o início da temporada 1996, quando após 4 etapas ele passaria a ser o primeiro brasileiro da história a liderar a tabela. Não tendo o equipamento de fábrica, conseguiu lograr pódios nos anos que se seguiram, mostrando sempre estar apto a duelar com os ponteiros. Foram anos de árduo trabalho e algumas frustrações, não havendo como fazer algo melhor que os esporádicos pódios em meio a toda a disputa.

Na NSR500 com as cores do Brasil em 1996. Primeiro brasileiro a pontear o mundial

Na prova principal de resistência das motos, as 8 horas de Suzuka de 1999, conseguiu a vitória ao lado de Tadayuki Okada, pilotando a Honda RC45. Novamente, o ineditismo: primeiro brasileiro e sul-americano a vencer a prova mais tradicional do Endurance de duas rodas.

Esquadrão da Honda (RVF RC45) para as 8 horas de Suzuka 1999: Shinichi Ito, Tohru Ukawa e a dupla vencedora: Tadayuki Okada e Alex Barros

Em 2000, após sete anos de um longo hiato, conquista a segunda vitória em Assen, sua pista favorita. Em condições de chove-e-para, manteve o campeão mundial Alex Crivillè atrás para conquistar uma importante vitória para Sito Pons, na Honda NSR500 satélite. Semanas depois, em uma intensa batalha com Valentino Rossi, conquista novamente o troféu de primeiro lugar em Sachsenring, no GP da Alemanha. A chuva viria a ajudar novamente em Mugello no ano seguinte, com mais uma vitória, derrotando o companheiro Loris Capirossi.

2002: quando finalmente teve a moto 4 tempos, duelou de igual para igual com o campeão Rossi nas rodadas finais

2002 foi um ano absolutamente marcante. Era o início da era MotoGP (4 tempos, 1000cc), com o campeonato ainda ostentando as antigas 500cc 2 tempos. Nas quatro últimas provas daquele ano, finalmente pode pilotar a moto versão quatro tempos e foram 2 vitórias com volta mais rápida (Motegi e Valencia), 1 pole (Sepang) e todas as quatro provas terminadas no pódio. Os duelos com Rossi nas corridas de Motegi, Phillip Island e Valência foram intensos, com Barros impondo um ritmo frenético e dando muito trabalho ao já então consagrado ícone da categoria. A corrida de Motegi foi considerada pelo próprio como sua maior performance da carreira. Era exatamente a primeira prova em que teve nas mãos a moto 4 tempos, a Honda RC211V, e na casa dos japoneses, mostrou a todos do que era capaz.

Motegi 2002, à frente de Daijiro Kato e Valentino Rossi: melhor corrida da carreira

As lesões de 2003, quando assinou com a Yamaha oficial acabaram por atrapalhar demais. Finalizou com somente 1 pódio (Le Mans) e a ida para a Repsol Honda no ano seguinte não foi como o esperado, ainda que tenha terminado o campeonato novamente entre os quatro primeiros. Seu último momento de glória na categoria foi a vitória em Estoril 2005, quando voltara à garagem de Sito Pons, onde havia corrido entre 1999 e 2002.

A falta de patrocinadores o forçou a buscar outros ares, e vale sim lembrar a rápida passagem pelo mundial de Superbike em 2006. Correndo com a CBR1000RR foram seis pódios e uma vitória, a primeira e até hoje única de um sul-americano.

Estoril 2005: sétima e última vitória de uma longeva e significativa carreira.
Na Honda CBR1000RR do Mundial de Superbike: primeiro sul-americano a vencer uma etapa.

Um retorno à MotoGp pela Pramac Ducati (GP7) em 2007 rendeu ainda um pódio no GP da Itália em Mugello, sendo esta sua derradeira temporada.

Ao todo, Barros disputou 246 provas, uma marca que Rossi igualou durante a disputa do Grande Prêmio da República Tcheca de MotoGP em 2014. Totalizou 7 vitórias, 5 pole-positions e ainda anotou 14 voltas mais rápidas e subiu ao pódio 32 vezes.

Em 2016, aos 46 anos de idade, retornou às competições no Brasil, para a disputa do campeonato brasileiro de motovelocidade, onde disputou curvas com pilotos muito mais jovens e não fez feio. Anos antes, em 2014, revelou seu lado empreendedor, ao lançar a Alex Barros Racing, voltada para a formação de novos talentos.

Na BMW S 1000RR em 2016: 46 anos e ainda vencendo…

Sua trajetória foi marcada pelo estilo aguerrido e lutador, especialista em frenagens. Durante os anos em que esteve na categoria principal (as 500cc, entre 1990 e 2001 e MotoGp 1000cc entre 2002 e 2005), teve de dividir curvas com muitos dos maiores ícones da história do esporte. Pilotos vindos de escolas de muito mais tradição e recursos, e mesmo assim conseguiu ser o quarto melhor piloto por cinco vezes.

Toda sua carreira, ilustrada por momentos de brilhantismo e também por infelizes infortúnios, teve como base o espírito guerreiro de resiliência. Anos a fio competindo quase sempre sem o melhor equipamento e mesmo assim lutando pelas primeiras posições, é digno de nota. Sua longevidade no campeonato mundial faz por merecer o reconhecimento como um dos personagens mais importantes nos 75 anos do mundial de MotoGp. Este que vos escreve já o teria inserido no rol de lendas do esporte, dada sua figura marcante e contínua presença justamente nos anos mais emocionantes da categoria.

O irmão César estava na beira da pista em Valência e entregou a bandeira para Alex desfilar na volta de desaceleração, após a grande vitória na última etapa da temporada 2002

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