De nós, para Gil

Nossos heróis de infância estão indo rápido demais, e sem avisar…

O meu se foi hoje. Um dos tantos. Quando o conheci, ainda vestia o amarelo Pennzoil tão marcante e tradicional aos olhos dos americanos. Despontava como talento, nos fazia gritar como nos bons tempos e ladeado de cobras das pistas que jamais esquecemos.

Eu era menino, mas já sabia seu nome, capacete e sorriso único. Tranquilo, sereno, mas com aquela mesma fome de morder volantes: seja de raiva pelo estabanado Pruett ou de gana para tentar segurar um Blundell impetuoso deslizando loucamente.

O talento deste franco-brasileiro era digno de F1, mas azar dela e da construção midiática da casa dos Marinho que não fizeram dele um “novo Senna”. Sorte nossa, a dos sãos, que sabem do que ele fez, aprontou e venceu na terra do Tio Sam, sendo um dos líderes de brasileiros sonhadores como ele o era.

O amarelo da Hall, o elegante “Valvoline livery” da Walker e, claro, o traje clássico tabagista da casa do capitão, que nunca entrava nas brigas para perder tal como ele fazia. E quando assumiu aquele bólido branco-e-vermelho, arrepiou: não bastava ser campeão, tinha que ser tão veloz como qualquer outro em pista fechada.

Justiça na vida de piloto? Com tanto conquistado e negligenciado por um país acéfalo de verdadeiros ídolos e sedento de popstars de joelhos murchos, ele teve ainda um digno selo: ser um imortal da pista imortal, o Brickyard, que reencontraria e venceria, num grito de vitória que mais soou como um alívio, uma espreguiçada pós-batalha.

Dentro e fora da pista, concentrado ou sorrindo calmamente com a classe de um francês, Gil de Ferran, um dos meus heróis de infância. Pena que esta gente de carne-e-osso é mortal, frágil, e num estalo, segue o dito dos velhos: “para morrer, basta estar vivo”.

Não devia, mas ao menos se despediu no volante, pilotando, usando da classe e velocidade marcante da vida para se divertir. Vai chegar rápido no firmamento, em altas milhas, deixando eu e mais alguns amigos chorosos e assustados: é cedo demais, Gil, muito cedo.

Mas, quem somos nós diante dos designíos da vida que são mais velozes que os reflexos nas pistas? E não sou só eu que falo, os amigos do G&M, cada um em seu momento, deixam suas palavras, luto e saudade do franco-brasileiro que deixa nosso fim de ano um tanto lento e sentido.

As palavras…


(Roberto Taborda)

Eram por volta das 20h quando começaram as conversas internas, ainda medidas, sobre um fato que se confirmara alguns minutos depois: Nos EUA, mais exatamente na Flórida, durante um teste de carros privados, morria Gil de Ferran após um ataque cardíaco fulminante.

Vejam só, a tempos atrás e entre amigos, falava-se como o lendário Denny Hulme faleceu talvez da forma onde ele mais estaria feliz: pilotando. E eis que Gil de Ferran repete esse fato, e pelas informações que chegam, ao lado do seu filho.

Sim, Gil de Ferran, bicampeão da CART (2000 e 2001), campeão da Indy 500 (2003) já nos tempos da IRL, campeão da F3 Inglesa (1992), campeão da Formula Ford brasileira (1987).

Sim. Gil de Ferran que teve o pai, Luc de Ferran, como um dos mais importantes engenheiros da Ford no Brasil, com participação importante na criação da Ecosport que você, que está lendo agora, vê (ou dirige) nas ruas do país.

Sim, Gil de Ferran, que teve Jackie Stewart como um de seus patrões, este que lhe indicou para Jim Hall, que o perderia para Derrick Walker e que teve a honra de o liberar para Roger Penske. Ele que andou de Acura nos EUA, que é um dos co-fundadores da Extreme E com Alejandro Agag.

Sim, Gil de Ferran que andou com liveries do tamanho e história da Pennzoil, Valvoline, Marlboro. Que, ao estrear na IRL, ostentava um charmoso carro negro com linhas vermelhas e brancas da Penske Auto Center em Phoenix.

Sim, Gil de Ferran: o homem que levou de volta a sede da Penske o troféu de campeão da Indy/CART após sete temporadas, com um projeto de retomada da equipe mais tradicional da categoria. Com a ousadia de abandonar a tradição da equipe de fabricar os próprios chassis e adquirir projetos Reynard, apelidados depois de “Renske”, pois a equipe pôs a mão neles e transformou o carro com os conselhos e dados técnicos do piloto.

Sim, Gil de Ferran que lutou bravamente durante 1998 e 1999 com os complicado pneus Goodyear contra os vigorosos Firestone e nos deixou sem ar em Portland dois anos seguidos: um com uma derrota dolorida, outro com uma vitória contundente. O mesmo Gil, que nos fez espumar de raiva em Cleveland, após Scott Pruett lhe tirar uma vitória certa em 1995, tudo para nos fez lavar a alma em 1996.

Sim, Gil de Ferran que foi o tutor de ninguém menos que Fernando Alonso quando este esteve na Indy 500 na busca da sonhada tríplice coroa e que estava na direção da equipe BAR-Honda em 2004, quando surpreendeu o mundo com Jenson Button e Takuma Sato! E que hoje, aconselhava Lando Norris e Oscar Piastri numa renovada McLaren.

Sim, Gil de Ferran que teve nas mãos o FW14B em 1992, teste-premio pelo título da F3 inglesa, pilotando numa Silverstone úmida ao lado de Alain Prost e Damon Hill (e andando meio-segundo apenas mais lento que o professor). Ele que, no mesmo ano, testou o Footwork em Estoril e bateu a cabeça num caminhão, tomou pontos e acabou sem chances de competir na F1 (azar dela, dizemos outra vez).

Sim, Gil. Você hoje não está mais na área terrena, e te considero um dos maiores pilotos da historia do Brasil. Infelizmente, a sua historia esteve numa área que só nós, fãs, acompanhamos.

A partir de agora, Gil, você encontrará André Ribeiro e Greg Moore, seus contemporâneos nos ovais. Alias, lembrando que André foi o brasileiro que antecedeu a sua chegada na Penske e Greg Moore seria seu companheiro se não fosse a crueldade do destino que não permitiu essa competição que, em 2000, seria espetacular.

Abriu espaço para a chegada de Hélio Castroneves e a formação de uma marca que nunca devemos esquecer: fomos tricampeões, de forma consecutiva (2001, 2002 e 2003) da Indy 500 com vocês!  Sendo a ultima com o 1-2-3 formado por você, Hélio e Tony Kanaan, que era seu atual companheiro, dentro dos boxes e em mais uma retomada de rumo que você participava, dessa vez na McLaren.

Efemérides mil, como sempre conto quando possível. Porém, as palavras estão difíceis, pesadas…

Obrigado Gil! Deixas de ser um humano com história para contar nas pistas no mundo afora para ser um campeão com fez a historia acontecer.

O que mais me dói, ao finalizar essa coluna, é sentir cada vez mais que as nossas referencias estão indo embora.


(Sergio Milani)

Gil de Ferran foi um daqueles que marcaram sua carreira com belas linhas. Com certeza, um dos melhores de sua geração. Sabia aliar ousadia e técnica. Talvez o exemplo trazido de casa, com o monstro automotivo Luc de Ferran, ajudou a moldar e polir o estilo.

Para muitos, se um piloto não chegou à F1, não vale. Gil bateu na trave. Azar da F1. A britânica Autosport o colocou entre os 50 melhores pilotos da história que não correram na categoria. Mas os EUA tiveram a chance de ver Gil em pleno. Com a Penske, foi a união de excelência, que deu títulos e a Indy 500 de 2003.

Cumpriu sua missão com louvor. E morreu fazendo o que gostava: pilotando.

Que tantos gênios o recebam: Fangio, Nuvolari, Pace, Landi…um deles se junta a vocês para a próxima largada.

Valeu, campeão.


(Pedro Ivo Faro)

O coração é num órgão que faz mais do que bater. Atribuímos a ele as nossas emoções, os nossos sentimentos. Mais que a cabeça, é dele que vem tanto daquilo que, de certa forma – e de tantas formas – nos move. Pra nós, apaixonados por automobilismo, o coração fala muito alto. E infelizmente foi esse órgão tão importante, representativo e simbólico que nos tirou, aos 56 anos, Gil de Ferran.

Foi o coração, que hoje não suportou um infarto fulminante, que 23 anos atrás bateu mais de 200 vezes por minuto a insanos 409 km/h, tornando-o o homem mais veloz a bordo de um carro de corrida no mundo. E que carro! Aquele Penske-Reynard de motor Honda com mesma e mítica pintura da Marlboro que Emerson Fittipaldi e Ayrton Senna eternizaram e tanto aceleraram nossos corações. Corações estes que bateram mais forte de ver um carro vermelho-e-branco vencendo com um brasileiro seis anos depois de Ayrton Senna nos deixar.

Mas vamos ser sinceros? O bi da Indy e o título das 500 Milhas de Indianápolis, além de outras 11 vitórias, 49 pódios e 21 poles são “apenas” justiça pra um brasileiro (que a grosso modo é franco-brasileiro), filho de um outrora importante executivo da Ford nacional. Gil fez parte de uma geração vitoriosa do Brasil na Fórmula 3, onde ele levantou o caneco em sua segunda temporada fazendo quase o dobro de pontos do segundo colocado, o belga Philippe Adams.

Por onde o Gil correu, ele deixou um surpreendente legado de vitórias. Numa F-3000 disputada, trocou tinta com nomes do naipe de Olivier Panis (então campeão daquele certame), Pedro Lamy e David Coulthard, empatando em pontos com o francês Franck Lagorce na quarta posição.

F1? Azar dela! E sendo vencedor como ele foi, a eterna pergunta do “e por que não foi pra a F1?”, é inevitável. E, pasme, não veio por detalhes. Em dois testes, Gil surpreendeu. O primeiro, realmente dos sonhos, foi em fins de 1992: andou na “Williams de outro planeta” e ficou sendo mais rápido até que Alain Prost (que correria pelo time no ano seguinte), o que por si só já seria um tanto promissor.

Seu segundo teste, na Footwork/Arrows e num carro onde ele se espremeu para caber ao ponto de ter cãibras, não foi menos promissor. Mas um erro de cálculo ao se levantar o fez bater a cabeça na quina do motorhome. Resultado, 10 pontos que ele não gostaria de ter computado jamais em sua carreira e que, talvez, tenham selado o destino na F1.

Mas aí ele foi curar as mágoas na Indy já em 1995, na equipe de Jim Hall e numa história que dispensa detalhes. E a F1? Ah sim, ele depois foi parar lá, mas dentro dos boxes. Primeiro na Honda, perto do amigo Rubens Barrichello, e depois como dirigente na McLaren. Esteve na categoria máxima, mas não no cockpit de algum bólido. Mas quer saber? Azar da F1 de não ter tido o Gil!

Obrigado por alegrar nossos corações, Gil! Pois foi do seu batendo tão rápido e tão forte que lembraremos de você pra sempre!


(Rodrigo Felix)

Caro Gil,

Aprendi a gostar do seu carro amarelo da Hall. Confesso que sentia falta de agressividade de sua parte, mas com o tempo vi que você fazia parte do seleto grupo de pilotos que ganhavam troféus com a cabeça e menos com o coração.

Estava acordado para ver você vencer em Portland (1999), quebrando uma zica do Brasil que já durava dois anos. Em 2000, estava novamente acordado para ver você ser campeão, no fim de semana que você se tornou o homem mais rápido da história.

Seu bicampeonato veio como consequência, você foi acumulando pontos e quando achava que você não iria repetir o feito, deu um olé no Kenny Brack em Rockingham.

Certa vez aprendi num curso de etiqueta que deve-se retirar os óculos escuros quando for falar com alguma pessoa. Numa reportagem, antes de uma entrevista, vi o Gil retirar os óculos. Lembrei da lição na hora. Parece bobo, mas sempre que vou usar óculos escuros, lembro do Gil.

Lembro também que o seu capacete tinha uma fina linha na viseira. Ele parecia mesmo precisar enxergar pouco para fazer muito. Numa entrevista, ele relatou que os 400 Km/h foram feitos em câmera lenta.

Seu pôster estava lá na minha parede. Acordava todo dia para ir para a escola e lembrava da sua postura, da sua educação e sua finesse nas pistas.

Me despeço com a certeza que sua marca ficou. Adeus, campeão!


(Douglas Sardo)

Gil de Ferran é considerado, quase de forma unânime, o melhor piloto brasileiro a não ter chegado na F1.

Na IndyCar, deixou um legado gigantesco de vitórias, títulos e momentos inesquecíveis, que se reflete nas demonstrações de carinho e tristeza de tantos amigos, colegas de profissão, adversários na pista que lutaram e aprenderam com Gil. Um dos maiores responsáveis por manter acesa a chama do automobilismo no Brasil pós-Senna.

Descanse em paz, campeão.


(Paulo Abreu)

Gil De Ferran desempenhou um papel importante no nosso automobilismo lá fora. Para falar a verdade, ele e André Ribeiro foram caras importantes para manter a moral do torcedor brasileiro elevada após os acontecimentos de 1994 e a forçada aposentadoria de Emerson Fittipaldi, em 1996.

Eram dois caras dos quais a gente depositava uma esperança enorme nas corridas, quando ligávamos a TV no domingo, trocando a tradicional manhã pelas tarde, esperando ansiosamente pela performance destes – ao lado de Christian Fittipaldi – na esperança de vitórias.

Foi emocionante ver a gigante conquista de Ribeiro em Jacarepaguá 1996 e de bater palmas pela magnífica conquista de Gil em Portland, no mesmo ano. Estávamos bem representados e, melhor, o sentimento de que poderíamos voltar a gritar a plenos pulmões que éramos campeões de uma categoria top de linha era bem possível.

Como sabemos bem, aprendendo as duras penas, vimos que o automobilismo é ingrato. Apenas a vitória de Maurício Gugelmin em Vancouver (1997) foi o fio de esperança que nos agarramos por quase dois anos até Gil voltar a vencer, em Portland . Um alívio e tanto, diga-se.

A transferência de Gil para a Penske renovava essa esperança a partir de 2000 e ele não decepcionou, ao cravar os dois títulos na categoria em 2000 e 2001 de forma espetacular. Como não vibrar com a ultrapassagem sobre Kenny Brack nas voltas finais da prova de Rockingham? De quebra, ele ainda se tornaria o homem mais veloz do mundo num circuito ao cravar 241,428 Mph (388,541 Km/h) na qualificação para as 500 Milhas de Fontana de 2000, prova que ele acabaria por vencer.

E três anos depois, ele entraria para o Olimpo do Motorsport mundial ao vencer as 500 Milhas de Indianápolis, formando uma inédita trinca brasileira, com Hélio Castroneves em segundo e Tony Kanaan em terceiro.

A imagem de Gil vencendo com um carro nas cores da Marlboro, automaticamente o associou a um dos momentos mais brilhantes do nosso esporte onde Emerson e Ayrton conseguiram boa parte de seus feitos trajando as cores da famosa marca de cigarros que virou sinônimo de vitória por aqui e ajudou a resgatar o orgulho de vermos um piloto brasileiro no mais alto lugar do pódio. E claro, ajudou a pavimentar um caminho que já estava sendo muito bem aproveitado por Helinho e Tony.

A sua partida, neste 29 de dezembro, deixa uma lacuna imensurável no nosso motorsport, mas ao mesmo tempo nos trás as melhores lembranças de um período vitorioso quando ainda olhávamos com desconfiança se algum piloto daqui ainda chegaria a um importante título.

Foi um período glorioso e podemos, sim, afirmar, que foi a segunda era dourada do nosso automobilismo, mas desta vez na terra dos ianques.

O que nos resta agora é fazer um tributo e não deixar que seu legado seja esquecido.

Obrigado por tudo, Gil de Ferran.


(Milton Rubinho)

Em Novembro de 2003, eu era apenas um estudante inocente, um estudante juvenil do curso de Técnico em Automobilismo, e estagiário numa transportadora. Junto a isso, eu e alguns colegas tocávamos o projeto de conclusão do curso técnico, que era um carro de corrida com turbocompressor.

E por conta do apoio da Garrett (fábrica de turbocompressores) nesse projeto, eu e os colegas ganhamos ingressos para o Congresso anual da SAE (Sociedade Americana de Engenharia). E lá foi o Milton faltar no estágio, atravessar a cidade até o Espaço Transamérica, para ir ao tal congresso. E chegando lá, havia algumas palestras.

Uma delas quem ministrava era…Gil de Ferran, que nesse mesmo ano havia se tornado mais um imortal vencedor de Indianápolis. Óbvio, não perdi a chance de ver.

E o cara de pau que vós fala, ao final da palestra, encheu o peito de coragem e resolveu cumprimentar Gil, que foi de uma gentileza incrível! O cara era realmente, como diria Paul Tracy, “sério nas pistas e super gentil fora delas”. E ele foi o primeiro top driver que eu pude apertar a mão.

Por todo esse contexto, foi com muito pesar que, 20 anos após mais essa história e resenha, eu recebi a notícia da passagem dele.

Pois é… Dói saber que os nossos ídolos estão enchendo o Grid do Céu…

Godspeed, Gil.

Deixe um comentário