Moco, 45

“A Europa é o caminho”, como se Emerson Fittipaldi pudesse dizer a quem quisesse ouvir no Brasil o rumo para onde vencer no automobilismo. Quem tinha bala e sangue nos olhos pulava para lá, era a rota, e pra lá tantos quantos fosse foram: aventureiros, alucinados, gente que não tinha medo de arriscar. Queriam ganhar, queriam mostrar o veneno brasileiro que só as águas da represa tinham.

José Carlos Pace foi um destes aventureiros que puxaram malas para vencer do outro lado do oceano. Pinta de galã e com um raro talento de fazer milagre até mesmo com cadeiras elétricas, o jovem Moco nasceu no seio dos envenenados e maravilhosos bólidos que a fortíssima equipe Willys podia construir. Um de tantos ases daquela trupe que entendeu os ecos do chamado do velho mundo para mostrar o que sabia (e sabia bem).

Completo seria o melhor adjetivo do que Moco construiu: corria de tudo, dividia seu tempo entre a F1, os protótipos (degustando do sonho de moleque de correr pela Ferrari) e até os mavecos batutas do Grupo 1 no Brasil. Na categoria maior, chegou “chegando”, fazendo alguns milagres com um velho March arrendado pela equipe de um ainda atlético e artesão principiante Frank Williams.

Pace celebra em Interlagos, em 1975. Uma vitória foi pouco, mas nada que ofusque seu perfil veloz e acertador de projetos (Reprodução)

Moco era uma cria raiz do nosso automobilismo. Persistente, paciente para aperfeiçoar a maquina, deixa-la no ponto, ser o mecânico mais veloz que a casa de Chessington tinha, quase com um toque de um relojoeiro. A sofrência da Surtees talvez não foi merecedora deste detalhismo e calma, e quis a Brabham ser a marca maior de sua passagem na F1, e justo com um dos mais icônicos bólidos de todos os tempos: o ousado BT44, nascido da batuta de Gordon Murray com suas laterais triangulares e linhas inconfundíveis.

Ali, Moco viveu dias de sangue, suor e (boas) lágrimas. Entre a agonia aplacada com pneus destruídos por vezes as glórias de bons dias em equipes, nada melhor do que conquistar o primeiro tento da carreira no quintal de casa. Aquele domingo quente de 1975 foi testemunha de um filho da casa mostrando quem era. Movimentos dosados, passagens milimétricas, um dia onde tudo casou certeiramente para a grande conquista.

E uma foi pouca demais para tudo que Pace batalhou na F1. Quando chegou 1977, o momento dele ir “prás cabeças” tinha chegado. O segundo lugar na Argentina era o aviso de que seria um grande ano. Mas um desastre aéreo em Mairiporã, interior de São Paulo, não esperou que aquele homem feito que carregava o “peso da flecha” na cabeça chegasse ao olimpo. E será que era preciso para mostrar que era grande?

(Reprodução)

Aos confrades, não escondo que Moco é um de meus favoritos sem título no grid. Acertadores estão rareando em nosso meio e o perfil de Pace será, sem dúvida, um destes exemplos. Recordar seu passamento é só mais uma chance de reverenciar este vulto que tem seu lugar garantido dentro dos merecedores da distinção de grandes no grid, algo que o brasileiro médio talvez nunca conseguiria fazer antes a sanha de buscar “vencedores de fato”, ocultando os merecedores de exaltação.

Em alguma curva de lá do alto, Pace continua seu GP eterno, e com certeza acertando ainda mais o bólido em que está. Relojoeiros de carros não nascem todo dia, e Moco, o garoto da Willys que ganhou o mundo, é um destes…

(Reprodução)

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