Negócios de Família

É de se imaginar que todos os membros de uma família se envolvam na vida de um piloto profissional de corridas. Isso vale tanto para a dedicação do piloto em si como também para as dificuldades e sacrifícios (principalmente financeiros) que demandam a chegada ao estrelato.

Exemplos dessa interação estão para todos os lados. Recentemente, a série “Senna” da Netflix deu um panorama mais abrangente da relação do tricampeão brasileiro com sua família. É algo obscuro para a maioria do público entender a que ponto os membros da família: sejam pais, irmãos, cônjuges, namoradas e afins se envolvam com todo o universo de borracha queimada e barulho de motor.

Muitas vezes a torcida e o apoio extrapolam o bom senso e a imparcialidade, e obviamente alguns membros destas famílias tendem a interferir direta e indiretamente no que acontece na carreira dos pilotos.

Há ainda os exemplos que membros da mesma família estão na pista, competindo entre si. Não é preciso muito esforço para lembrar: na Fórmula 1, temos aqui no Brasil mesmo o exemplo do clã Fittipaldi, que teve quatro membros da família competindo: Emerson e Wilson Fittipaldi Jr, nos anos 1970, Christian, o filho de Wilson, competindo por três temporadas (1992 e 1993 pela Minardi e 1994 pela Footwork) e Pietro, neto de Emerson, que competiu uma única vez, no Gp do Bahrain de 2020. Na mesma Fórmula 1, houve o emblemático caso dos irmãos Schumacher, Michael e Ralf, que foram os únicos irmãos a vencerem corridas. Outras famílias famosas incluem Gilles Villeneuve e seu filho Jacques, sendo o último o campeão mundial de 1997; os irmãos mexicanos Pedro e Ricardo, famosos nos anos 1960 e claro, a dupla de pais e filhos campeões: Graham e Damon Hill e Keke e Nico Rosberg.

Não menos importante, há o caso de pais que serviram além de mentores, mas também como treinadores. Pais esses que, mesmo não tendo tido uma carreira brilhante, construíram pilotos vencedores: Jos Verstappen e Max Verstappen. Jos inclusive também atuou como um elemento explosivo nos bastidores quando foi deflagrada a crise interna na Red Bull. Agindo contra Christian Horner, chegou a dizer que o dirigente levaria a equipe à ruína caso não fosse afastado. Pelo menos o mundial de construtores ruiu…

Na Motogp por exemplo, há uma profusão de irmãos que disputaram até simultaneamente campeonatos nas pistas. São tantos que é difícil fazer uma lista, mas para ilustrar: a dupla brasileira Alex e Cesar Barros, Valentino Rossi e o meio-irmão Luca Marini, Pol e Aleix Espargaro e Marc e Alex Marquez, estes últimos o único caso em que a dupla de irmãos foi campeã mundial. Entre pais e filhos, o lendário Kenny Roberts, tricampeão nos anos 1970 e 1980 viu o filho Kenny Jr ser campeão em 2000 com a Suzuki.

A MotoGp detêm inclusive um recorde inusitado: nada menos que três irmãos de uma mesma família compartilharam um fim de semana, nas três categorias do mundial. Em Suzuka 1995, os irmãos Nobuatsu, Takuma e Haruchika Aoki disputaram a etapa japonesa daquele ano. Haruchika foi o vencedor nas 125cc, Nobuatsu ficou em segundo nas 250cc e Takuma foi o terceiro nas 500cc. Três irmãos num mesmo fim de semana, e os três no pódio. Histórico.

Alguns membros da família acabam por ficar nos bastidores ou como managers das carreiras dos pilotos. Na Formula 1 recente, o caso de Lawrence Stroll e seu filho Lance é notório pela disposição do pai em financiar uma carreira que a cada ano que passa não aparenta ser um sucesso, e também é onde entra um protecionismo – neste caso vindo mais por parte da mãe de Lance, que certa vez saiu em defesa do filho numa rede social. Lawrence não só financiou toda a carreira do filho como também fundou bases para que ele pudesse ter um caminho estável até chegar onde está até hoje, com compras de equipe inclusive.

Lawrence e Lance Stroll: até quando vai o apoio?

Em outras categorias, há casos em que o comportamento dos familiares chegou muitas vezes ao limite da cordialidade e do bom ambiente com as relações públicas. No WRC, a esposa do oito vezes campeão mundial Sebastien Ogier, a jornalista alemã Andrea Kaiser simplesmente mandou um “tweet” ao mundo inteiro ofendendo a Citröen e sua baixa performance, fazendo inclusive uma anedota “escatológica” com o nome da montadora francesa. Este caso é uma das maiores gafes do mundo das corridas em que um familiar se intrometeu de forma desastrosa em defesa de um piloto, que deve se preocupar com o seu mundo já competitivo demais. A jornalista ainda não exerceu um dos princípios básicos da profissão – não foi isenta. O caso só não foi mais desastroso porque o piloto estava às vésperas de rescindir contrato.

O lamentável tweet da esposa de Ogier: envolvimento desnecessário

Estes últimos exemplos de familiares em defesa passional remetem diretamente à postura que estamos observando do pai de Sergio Perez – António Perez Garibay. Piloto sem muito destaque no passado, é um fã ardoroso do filho e grande entusiasta. Não raro, é possível vê-lo nos boxes vibrando de forma efusiva e apaixonada, principalmente quando o Gp é o local.

Até aí tudo bem, lógico. O problema é quando a defesa do familiar não é consoante com a realidade. O que, no caso de Sergio Perez nesta temporada de 2024, foi o caso. Após o pódio na terceira etapa, o Gp da China ainda em Abril, o piloto mexicano simplesmente não conseguiu manter a performance competitiva e afundou ao longo do ano, sem voltar ao pódio e muitas vezes não conseguindo se classificar em boas posições de largada. Um reflexo claro disso é que, no mesmo período, entre o mês de Abril e o final do ano, seu companheiro venceu cinco vezes e foi campeão mundial. Num panorama amplo, Perez foi o pior piloto das quatro melhores equipes, finalizando o ano em oitavo, a 70 pontos do sétimo colocado e a 285 do seu companheiro de equipe.

Ainda que a crise interna gerada na Red Bull no início do ano possa ter desempenhado algum papel, ficou claro que Perez não teve poder de reação com um carro que talvez não estivesse mais adequado ao seu estilo de pilotagem. Muito antes da renovação de seu contrato, já surgiam rumores que os pilotos da equipe “B” da Red Bull – Daniel Ricciardo e Yuki Tsunoda poderiam substituí-lo ainda nesta temporada. Ricciardo aliás, já era cotado com certo favoritismo para esta vaga desde ano passado, mas sucumbiu com fracas performances e acabou também substituído após o Gp de Singapura por Liam Lawson – que passou então a ser apontado como o substituto.

Perez – perdido em meio ao caos na Red Bull e podendo estar nos últimos dias de sua carreira

Perez teve a confirmação da renovação de seu contrato anunciada no início de Junho. A notícia foi recebida com alguma surpresa pelo paddock. Foi então que o pai de Perez entrou em cena. Com declarações que mais atrapalhavam do que ajudavam, chegou inclusive a ser grosseiro com Ralf Schumacher, após uma análise do irmão de Michael a respeito de Perez. Num ano pouco brilhante do filho, a única prova no meio do ano em que ele esteve numa boa posição para brigar pelo pódio, o Gp do Azerbaijão, acabou no muro em um acidente com Carlos Sainz. Antonio Perez sofreu um pré-infarto. Na busca de justificar a permanência do filho no cockpit número 2 da equipe austríaca, declarou guerra à imprensa e fez ameaças, revelando um destempero que mais uma vez pouco deve ter ajudado para a recuperação do filho. As críticas da imprensa adicionam ainda mais tensão a esse cenário, ainda que no caso de Perez, elas sejam devidamente apropriadas. Surgem ainda rumores que os polpudos patrocinadores são o elemento-chave que têm garantido a permanência dele na equipe, quando é sabido que a multa rescisória do contrato seria bem grande e tem ainda nessa situação a dúvida quanto ao real potencial dos dois substitutos – Liam Lawson e Yuki Tsunoda.

O comportamento do pai de Perez talvez tenha sido em resposta também aos ataques de Helmut Marko, notório crítico do mexicano. Marko obviamente é um entusiasta do seu programa de jovens pilotos, e para ele, tanto Lawson quanto Tsunoda já deveriam ter assumido o cockpit número 2 da equipe. Certo é que o clima hostil da equipe austríaca é conhecido, e as mudanças constantes de pilotos não é novidade.

Sergio Perez parece viver o fim de seus dias como piloto da Formula 1. E não há membro familiar que pareça poder ajuda-lo a reverter esse cenário.

 

 

 

 

 

 

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