“O CAAAAAAAAAAOS!”
Com esse grito gutural de Everaldo Marques, eu proclamo minha volta aos escritos da F1 em A BOINA. com alegria incontida e ainda tentando controlar a adrenalina depois de um domingo intenso entre germânicos na provinciana Hockenheim.
E vou contar a vocês.. como é bom e revigorante voltar a falar de F1 com tanta coisa pra falar. Como é bom falar de corrida que desafia o status quo, que rompe a ordem estabelecida, que é a definição do imprevisível e que faz justiça com quem precisava de justiça. E acredite, tudo isso aconteceu em Hock, guarnecida com aquela chuva que transforma qualquer grid em jogo de dominó.
E o salão de festas tinha cara de mais um passeio prateado (ou quase, graças a pintura “meio branca” que lembrava os primórdios da marca no automobilismo), com Lewis Hamilton na pole e apenas Max Verstappen como uma espécie de “coajuvante de luxo” na primeira fila. A chuva era apenas um detalhe para Lewis e Valtteri Bottas, que estava na segunda fila em posição de suplantar o holandês a sua frente.
Mas não se convença que chuva é só detalhe. Quem resistiu até o fim com certeza suou de adrenalina na frente da TV com a verdadeira loteria que transformou-se o GP. O terceiro “corridão” em sequencia na categoria, a redenção de três valentes sob água, a alegria de demais coadjuvantes e o pesadelo de alguns, e entre estes, inclua a dupla prateada que viu seu salão de festas virar o baile ginasial de Carrie, a Estranha.
Versatppen, o holandês brigador
Quem viu Max patinando na largada poderia esperar tudo depois, desde uma prova perdida no grid a uma eminente rodada por precipitação. Mas quem agourou teve que calar a boca diante de uma pilotagem calculista e dosada para aproveitar as bolas divididas e levantas os laranjas nas arquibancadas germânicas.
Max largou em segundo e largou muito mal. No correr da prova, até rodada em 360 graus fez parte do roteiro do holandês para se manter na pista com pneus frios. No fim, driblando os perigos da água e acertando em cada uma de suas paradas – cinco ao todo – o holandês estava diante da ponta, sem a sombra das Mercedes e rumo a mais uma vitória em 2019.
Só ele bateu as flechas de prata este ano, uma posição honrável até o momento na temporada, embora isso ainda esteja muito longe (impossível) de se converter em uma briga de titulo. No entanto, é a prova de madureza do garoto que, antes impetuoso e incontrolável, agora cada vez mais com sua postura de gente grande refinada, tudo isso para a alegria dos laranjas que, cada vez mais, tomam conta das arquibancadas da F1.
Imagina isso em Zandvoort ano que vem…
A grande vitória de Vettel
E se você acha que só Verstappen merece louros, Sebastian Vettel também tem merecidos seus créditos no espetáculo germânico. Da catástrofe dos problemas nos treinos – o que o obrigou a largar de último – a uma corrida inesquecível e um segundo lugar com gosto de vitória.
Chuva sempre foi especialidade de Seb, e nem mesmo as bolas divididas das estratégias de pit o deixou, em algum momento, longe de alguma possibilidade na corrida. Quando o cenário clareou a sua frente nas últimas voltas, ai foi a vez do calculismo das estratégias dar lugar a combatividade dos tempos de campeão, e assim o fez. Superou três a sua frente nas últimas quatro voltas e colocou-se no segundo lugar com louvor, para explosão da torcida.
Merecido, e não tem como definir de outra forma. Vettel teve sua cabeça a prêmio na sensacionalista imprensa esportiva italiana, teve sua condição de tetracampeão colocada em dúvida depois de atuações pífias e até Charles LeClerc andou mais nos últimos tempos. Espera-se que Hock seja um turning point na sua trajetória no campeonato e na carreira.
Coisas assim costumam inspirar. Tomara!
Kvyat e Toro Rosso, justiçados
Depois de anos nebulosos e da fogueira da bruxa na praça moscovita, eis que o jovem russo ressurgiu naquela que, talvez, seja a história mais incrível deste pódio alemão. Daniil Kvyat partiu do meio do pelotão, acertou as estratégias mesmo fazendo menos paradas que Vettel e Verstappen, soube medir o ritmo quando Seb estava babando atrás e escreveu uma página impressionante para a trupe de Faenza.
Impressionante mesmo, não se pode economizar elogios. Há três anos atrás, na Espanha, o russo vivia o pesadelo do rebaixamento ao time-satélite, para qual voltaria este ano sendo a última da última opção para a vaga do insignificante Brendon Hartley. Estava cercado de todas as desconfianças possíveis ainda mais ao lado de um promissor garoto como Alex Albon e ainda digerindo os lances daquele 2016 tenebroso.
Tudo isso virou névoa, as pressões dos dirigentes da Red Bull, os descréditos, a desconfiança. Talvez a maior história do fim de semana em que a Toro Rosso se encontrou com um pódio que não vinha – acredite – desde a vitória do ainda novato Vettel em Monza, em 2008! 11 longos e duros anos longe de um pódio.
E quer mais? Como se não bastasse, Kvyat ainda virou papai no domingo. Nem perder a loteria tira o sorriso do russo por algum tempo.
Água no chopp prateado
Agora imagine, você arma toda a festa, todo mundo se veste como no tempo do ica e os carros vão de roupa especial pra pista para, o que se pretende ser, um passeio festivo.
Ai, os convidados levam a melhor, os donos da festa erram e batem, sobra todos os azares para o líder do campeonato e o seu escudeiro enche o muro diante da torcida alemã que, segundo análises dos colegas de F1, não tem a mínima empatia com a turma prateada. O que era uma festa para a Mercedes virou um pesadelo que só acabou com a bandeirada final.
Nem o mais incrédulo poderia acreditar no que via. Hamilton se perdeu na água no trecho mais mortífero da pista – a entrada da reta, com asfalto de arrancada, um sabão! Era a volta 30, quando o inglês gozava de alguma tranquilidade na liderança. Recordando os tempos de afobado, cortou a pista como um maluco, pegou a equipe de surpresa e ficou uma semana no box reparando o carro e trocando os pneus. E a cereja: pneus errados para o momento.
Logo após, uma punição pela manobra perigosa na entrada do grid e um currupeio na saída da reta, foi o fim. Os dois pontos provenientes da desclassificação da Alfa Romeo nem para consolo serviram. E como se não bastasse, Bottas levou prejuízo pra equipe ao carimbar o carro no muro de saída da reta. Nada de Mercedes entre os seis, chopp azedado, um dia tão terrível quanto a pixotada de Lewis com Nico Rosberg em Barcelona, há três anos atrás.
Toto Wolff e seu conhecido perfeccionismo terão muito a refletir durante a semana antes da prova de Hungria. E o chefe não trata nem um pouco o erro como “ponto fora da curva”. Erros existiram, a festa foi pro vinagre. Hora de empacotar e seguir para Budapeste.
Os 10 mais – Classificação:
1 – Max Verstappen (Red Bull-Honda)
2 – Sebastian Vettel (Ferrari)
3 – Daniil Kvyat (Toro Rosso-Honda)
4 – Lance Stroll (Racing Point-Mercedes)
5 – Carlos Sainz Jr. (McLaren-Renault)
6 – Alex Albon (Toro Rosso-Honda)
7 – Romain Grosjean (Haas-Ferrari)
8 – Kevin Magnussen (Haas-Ferrari)
9 – Lewis Hamilton (Mercedes)
10 – Robert Kubica (Williams-Mercedes)
Os 6 mais – Campeonato:
1 – Lewis Hamilton (225)
2 – Valtteri Bottas (184)
3 – Max Verstappen (162)
4 – Sebastian Vettel (141)
5 – Charles LeClerc (120)
6 – Pierre Gasly (55)
Amenidades
– Acha que só os três barbarizaram? Imagine que, em dado momento, Lance Stroll se colocou na primeira posição da prova, numa estratégia arriscada de pit que deu certo. Não converteu em pódio, mas mostra que o canadense está tendo cabeça, aprendendo alguma coisa na equipe do papai.
– Tem mais, teve quem apostou no pódio de Carlos Sainz Jr. durante a prova. Outra grande atuação do espanhol da cada vez melhor McLaren. Se subisse ao pódio a bebedeira em Woking seria gigante.
– E falando em time britânico, deu tanta coisa curiosa em Hock que até Grove está festejando! Com a desclassificação da Alfa Romeo, Robert Kubica foi promovido ao 10º lugar. O primeiro ponto do time no ano. Alento para aliviar o peso da odisseia trágica da Williams em 2019.
– Em tempo, no sábado teve aquele “momento nostalgia”, com Mick Schumacher (nem preciso dizer de quem ele é filho, né?) dando uma volta no carro que levou seu pai ao sétimo título, em 2004. No coração, aquela saudade do velho queixadinha nos paddocks da F1, e na cabeça aquela recordação do tempo dos V10 furiosos com ronco de verdade…
– Enquanto Verstappen vai as glórias, Pierre Gasly segue pagando pecados no segundo carro da Red Bull. O francês achou pela frente o carro de Albon numa briga ferrenha e disse adeus à prova perto do fim. Mas uma pra conta de erros e sua batata segue assando na trupe austríaca.
– Já LeClerc continua sua série de azares que arrasta-se desde o Barhein. Desta vez, tentando ser combativo, acabou achando o muro na mesma curva de entrada da reta e ficou por lá. O monegasco tem talento e certamente vai vencer seu primeiro GP em 2019 (espero não falar bobagem). Mas torço de joelhos para que ele não vire um Jean Alesi da vida.
– E a Renault? Quase o mundo veio abaixo quando Nico Hulkenberg colocou-se em segundo lugar, no que poderia ser o tão sonhado pódio depois de 166 corridas na categoria. Infelizmente, a cruel curva de entrada da reta levou o tedesco ao muro e as lágrimas. E as imagens de seu sofrimento viraram meme na velocidade da luz.
– E quer mais zica pros franceses? Nesta segunda, um dos caminhões da equipe se envolveu em um acidente no caminho para Budapeste. A coisa não tá fácil para a Régie. Ricciardo que o diga…
– Já pelos lados da Haas, tem como ter paciência com Romain Grosjean e Kevin Magnussen como pilotos? Nenhuma, até roda-a-roda dos dois teve durante a prova. Gunther Steiner já está de saco cheio, a hora de trocar os botas já passou faz tempo. Que seja assim para 2020.
DO BAÚ: Os escaladores rossos
Sair de uma posição atribulada do grid para a glória é a prova da combatividade de um piloto, como Vettel assim o fez no domingo. E o pessoal da Ferrari sabe bem disso há tempos e exemplos não faltam. Dois me vieram a memória: um mais lógico (e saudoso), o outro um tanto esquecido no meio das atribulações dos anos 1980.
Foi numa mesma Hockenheim, em 2000, que Rubens Barrichello protagonizou um espetáculo digno de grande piloto ao partir de 18º lugar para a vitória. Um passão atrás do outro numa prova que teve invasão de louco na pista e chuva. O brasileiro teve que contrariar a decisão da equipe e enfrentar a água com pneus slicks para, enfim, faturar sua primeira corrida na carreira. Um momento que traz lágrimas nos amantes do esporte até hoje.
Mas, voltando mais atrás no tempo e saindo da Alemanha, vem a lembrança o feito de Renê Arnoux em Dallas, em 1984. O franzino francês estava classificado em quarto no grid, mas partiu de último depois de problemas no carro antes da largada. Parece desalentador, ainda mais numa corrida tão difícil por conta do calor, mas Arnoux aproveitou as bolas dividas e, com uma corrida segura, chegou em segundo, quase como Vettel.
Vale lembrar, o recorde de vitória partindo da posição mais distante do grid ainda é de John Watson, que venceu sua última corrida na carreira partindo com a McLaren de 22º para o triunfo nas ruas de Long Beach, em 1983.
A F1 volta já neste domingo, dia 4, com o GP da Hungria, em Budapeste. Nada mal seria mais um corridão como este, mas não vamos esperar tanto. Ao menos, A BOINA está de volta aos “business” da F1!
Até lá!