Não é de hoje que lemos que o tempo parece passar mais depressa. Talvez a grande disponibilidade de informações e a necessidade de estar sempre atento nos faça ter a sensação de que 24 horas não são mais necessárias para tudo. Mas temos nossos “gatilhos” para trazer de volta certas situações em nossa vida.
Esta semana em que escrevo estas linhas, apareceu um menino na minha frente. Pelo tamanho, não devia ter mais do que sete anos. Mas quando recebi aquela cutucada, não dei conta inicialmente. Só que reparei e vi que era… eu.
No meio desta confusão na linha tempo/espaço, dei um jeito de ver que dia estava: 12 de abril de 1987. Dia de GP de F1. Dia de GP do Brasil em Jacarepaguá.
Ele me pegou pela mão levando para ir com ele. Aquele garoto estava mais do que entusiasmado. Afinal de contas, era a primeira vez que ele via aquele negócio de “carrinhos dando voltas em círculos” ao vivo. Enchera a paciência da sua mãe e ela pagou o ingresso dele. O primo mais velho também estava, mas não me via. Ele perguntava para aquele moleque com quem ele falava direto.
Tudo vinha à mente: o dia ensolarado, os mais diversos cartazes espalhados ao longo do caminho com as fotos de Piquet e Senna… uma bela forma de reviver tudo.
Chegamos logo cedo em Jacarepaguá. Tudo muito cheio e as arquibancadas tubulares tinha um bailado todo próprio, somente com várias tábuas para o povo se acomodar. Não lembrava de quanto quente estava e de tanta gente. A infância nos poupa de algumas coisas realmente…
Algum tempo depois, começava o warm up. Para quem não sabe ou se lembra, a F1 tinha um treino de aquecimento no domingo de manhã, onde as equipes preparavam seus carros para a corrida. Naquele momento, eu resolvi olhar para o Milani de 7 anos e ver toda a reação.
Simplesmente, era um encantamento. Aquele garoto realizava um sonho. Não tinha ninguém que o levou para isso: o pai, que havia morrido alguns anos antes, não era um fã de velocidade. Tios, primos… nada. Foi um impulso natural para aquele garoto ir para este mundo de velocidade, gasolina e borracha queimada.
Naquele balé de cores, um momento marcante: Riccardo Patrese parou sua elegante Brabham/BMW #7 bem em frente de onde estávamos. A arquibancada ficou preocupada: o carro parou. Será que quebrou? O que aconteceu?
Tal como uma besta fera, aquele carro começou a ressoar levemente. E ia aumentando a intensidade da aceleração…até que Patrese simplesmente pisou no acelerador firme. O motor BMW deu um urro e os Goodyear deixaram um rastro de borracha queimada no asfalto de Jacarepaguá.
Naquele momento, o homem de 43 anos e o garoto de 7 anos eram uma coisa só. A paixão pura do imberbe Serginho se encontrava com o analítico gostar do maduro Milani. Olhos, coração… tudo era capturado em sacrifício para o altar do Deus da Velocidade.
O garoto não tirava os olhos da pista. E cada vez mais fui me identificando com aquilo, redescobrindo a inocência e a felicidade de ver aqueles carros multicoloridos tão perto, roncando alto.
No fim do dia, o garoto estava cansado e feliz. Ele ia de mãos dadas com o primo, falando sobre tudo que vira e sentira. Eu ia atrás, desfrutando de novo aquilo de novo. E o Sergio Milani de 7 anos parou, olhou para trás e deu uma piscadinha para o Sergio Milani de 43 anos. E mais uma vez aquele sentimento fazia sentido.
Este texto é um “obrigado” ao Serginho de 7 anos que fez lembrar ao Sergio Milani de 43 anos o porquê dele gostar disso. De fazer gastar dinheiro comprando revistas e livros, de perder horas e horas lendo, escrevendo ou discutindo sobre corridas. Pelos compromissos antecipados ou cancelados pelas discussões. Pelos desgostos e pelas alegrias. Pelas brigas e amizades.
São 36 anos em que aquela Brabham arrancando em Jacarepaguá converteu em um dos motivos de existência seguir os carros dando voltas em círculos. E que se sabe lá até quando será assim.