“Esse não foi um acidente normal e Mass não pode ser totalmente inocentado. Depois de ver o canadense pelo espelho retrovisor, Jochen Mass deveria ter ficado onde estava, ou seja, no meio da pista.
Assim como ocorre em uma estrada, ninguém deve mudar de pista no último momento quando vê alguém muito mais rápido vindo de trás.
Não quero começar uma polêmica, mas depois da suspensão de Riccardo Patrese e da ameaça de levá-lo aos tribunais pelo acidente em que morreu Ronnie Peterson, em Monza, em 1978, não podemos permanecer completamente calados sobre esta ação certamente infeliz de Jochen Mass”
Niki Lauda, talvez em algum lugar de outro plano, imagino que você queira reconsiderar a frase ou nem mais lembra dela.
Nada que importe agora, mas tente, eu, você e os amigos e amigas, imaginar…
Aqueles dias de m… que correm sem muita perspectiva, com um carro problemático, onde suar sangue era a realidade num grid novo, num ambiente beligerante extra-pista, na constante sensação de insegurança mesclada com a adrenalina viciante de cada curva no limite.

Os pneus se desmancham como bolo seco, andar rápido é um risco constante e por mais que a experiência de anos no grid ajude, não dá pra extrair nada positivo. Já são uns bons nove para dez anos lidando com esses carros sem conseguir muito, mas não dá pra mentir que não se fazia graça nos bastidores.
Afinal, não dá pra ficar com cara amarrada o tempo todo. Tem que se permitir uma careta vez em quando. Só que todo mundo anda tenso, nervoso, nunca sabem do dia de amanhã e nem sabe se todos vão estar no grid, por ausência política ou por morte mesmo.
Ah, a morte! Ela corre aqui o tempo todo e qualquer sinal pode soar como aquelas cenas premonitórias: basta um lance e pronto, tá feito um presunto. Recolhe-se o carro a margem da pista, outra volta ruim, e no pensamento o fato que o garoto brasileiro que trouxeram pra equipe vai “ter mais trabalho que eu”.


Novatos, eles tem que suar muito para chegar longe. Tantos vem e vão e sempre no fio da navalha. Por estes dias, um garoto italiano resolveu fazer o mesmo com aquelas cadeiras-elétricas do Enzo mais pobre. Tá tentando, pensa-se quanto tempo vão ter paciente e quanto dinheiro ele tem na conta pra tentar algo.
Os mais rápidos passam, e lá vem outro. Vermelho, Ferrari, pelo número, é o Gilles, esse abusado. Gosta muito da companhia dele e, o pior é que o garoto anda muito. Louco ele! Bom louco.
Vai para o lado e… Opa…

Testemunha de luxo, o susto corre o semblante oculto pelo casco. Foi um toque sutil e uma sucessão de estrondos que o motor ainda ajudava a abafar. Ao chegar na curva, um breque quase reflexivo, espírita, deu tempo de vê-lo ser projetado para fora, como um boneco de pano.
Parou por perto, correu aflito, mas… há coisas que você observa mesmo longe da face do ser que não dá para esperar mais. Estava inerte, encolhido e preso ao banco. Nem dava para saber se estava vivo ou morto.
Estranho, ainda se sentia morbidamente tranquilo no momento. Como se sentir culpado numa manobra daquelas? Era de corrida, ambos pensaram a mesma coisa e aconteceu o que aconteceu. Fatalidade, sabe? Faz parte do espetáculo.
No dia seguinte, tenebrosa coincidência: durante a corrida, o mesmo March #17 estava parado exatamente no mesmo lugar depois de fazer figuração durante a prova e explodir o engenho.
Por ali, um alemão sentado, como um soldado reflexivo no front, observando as marcas na grama que o bólido vermelho deixara, os rastros, todos ali.
“Um acidente de corrida”, mesmo com as feições pesadas ainda recordando do vivido no dia anterior. Embora, concorde, leitor: algo que fica para a carreira de um piloto, mesmo apontado como “mediano” no circo que corria.
Semanas depois, um pouco longe dali e com o o mesmo ar de gente falando em francês no ar. O susto com ele próprio, numa virada de curva a pouco mais de 270 por hora.
Sorte maior que juízo, mas chega por hoje. Vou pra outro canto… e foi.
Em algum lugar, este velho Jochen Mass deve estar sentado, tendo um papo com aquele canadense.
Não diria ajuste de contas, aqueles caras do passado sabiam que risco corriam com as cadeiras-elétricas, e no final vão estar fazendo comédia de alguma coisa que não saberemos.
Desconsidera, Niki, foi lance de corrida, simples assim.
E para quem sabe o valor. A nossa reverencia ao velho Jochen, muito maior que a fatalidade da vida quando aberto o livro de trajetória na vida veloz que correu por aqui.
Gott segne Sie, Herr Mass!
