A atual performance dominante de Max Verstappen na Fórmula 1 pode deixar aqueles que analisam números friamente bastante tentados a dar um rótulo de supremacia, imaginando que tais feitos nunca poderão ser igualados ou que nunca na história algum piloto foi tão dominante.
A história mostra que não. E, instados a invocar as particularidades dos românticos anos em que os pilotos arriscavam a vida nas curvas e retas dos primórdios do automobilismo, podemos dizer que além de habilidade o piloto teria de usar dose extra de coragem. Afinal, imagine um piloto que tenha conseguido ser dominante naquela época, ao saber que haveriam várias outras a serem disputadas, faria valer todo o risco? Afinal, os pilotos dos tempos idos precisavam jogar com a sorte e o acaso não somente para obter bons resultados, mas para também voltarem inteiros para casa.
Pois são esses elementos que nos fazem pensar um pouco na mentalidade de Jim Clark e sua abordagem para o ano que viveria em 1965. O escocês voador já era famoso por ser extremamente veloz, tendo sido campeão em 1963 e ter perdido nos anos anteriores por puro azar
A temporada da Fórmula 1 começara bem para Clark, com uma vitória tranquila no Gp da África do Sul. Disputada no primeiro dia do ano, a corrida marcou a estréia de outro futuro astro, o também escocês Jackie Stewart. Naquele ano, Jim Clark pilotava o modelo 33 da Lotus, baseado no bem sucedido Lotus 25. Com a mesma velocidade de sempre, ele iniciava ali um ano que seria memorável.
Entre Janeiro e Março ocorria a Tasman Series, um campeonato de oito provas com corridas disputadas em pistas da Nova Zelândia e Austrália semanalmente. Era organizada pelo Automóvel Clube neozelandês e pela Confederação Australiana de Esporte a Motor. Utilizando os mesmos chassis e motores da F1 e em circuitos inadequados e improvisados, a modalidade atraiu o interesse dos pilotos e construtores europeus. O certame inaugural foi vencido por Bruce McLaren, com a única vitória européia conquistada por Graham Hill, na última etapa.
No ano de 1965, Clark e Chapman voaram para lá, e das sete provas, o escocês voador venceu quatro e garantiu a coroa antes de cruzar o Atlântico novamente rumo a Indianápolis. Abdicaria do Grande Prêmio de Mônaco para correr as 500 milhas.
As 500 Milhas de Indianápolis de 1965 seria a terceira tentativa de Clark, após sua quase vitória de 1963 e o título de rookie daquela prova. Abdicar do Gp de Mônaco poderia ser recebido com desdém e receio pelo lado europeu, mas a importância e o prestígio de Indianápolis estavam na mira tanto de Clark como de Chapman, haja visto ainda a forma controversa que a prova de 1963 terminara e toda a polêmica em volta dos carros com motores não-frontais.
Clark não deixou barato. Foi uma acachapante vitória. Liderou 190 das 200 voltas, o recorde de sempre até então, sendo ainda o primeiro não-americano a vencer desde 1920, e claro, o primeiro (e até hoje único e talvez para sempre) a vencer as 500 milhas e o mundial de F1 no mesmo ano.
Voltando à Europa, tratou de vencer o mundial. Duelando contra Graham Hill e o então novato e promissor Jackie Stewart, Clark venceu o mundial ainda em Agosto, sendo até então a mais precoce definição de campeonato. Com a regra dos descartes, ele totalizou os pontos, sendo a segunda vez que faria isso.
Não satisfeito, disputaria de forma simultânea ao campeonato de F1 o BSCC, tradicional campeonato britânico de carros turismo. Naquele marcante ano de 1965, ele não teve tanta sorte. Venceu 2 provas, terminando o campeonato em sétimo lugar, mas que fique o registro que no ano anterior, tratou de se sagrar campeão vencendo simplesmente todas as provas, a bordo do Lotus Cortina.
Jim Clark e suas façanhas já foram exaustivamente enaltecidas. É espantoso imaginar que algum piloto tenha levado tão ao máximo e na mais absoluta totalidade o espírito de corredor, e na mais absorta velocidade. É realmente uma pena não haver muitos registros em vídeo das suas flying laps de cada uma de suas trinta e três poles, o recorde que durou mais de vinte anos. Sem contar a sua incrível velocidade e capacidade de adaptação. Naqueles tempos, só ser veloz não bastava: o piloto muitas vezes precisava contornar os muitos azares devido a quebras e confiabilidade dos carros, além de ter de enganar a própria dona morte.
Apenas citando uma única temporada, é possível ver que ele contemplava tudo o que um legítimo piloto de corridas pode conseguir usando todo o talento disponível. Foi veloz e vencedor em tudo o que se dispôs a fazer. Seu legado e sua marca transcendem o lógico e o racional e deixaram gravados para sempre nas linhas da história o signo da velocidade. mesmo tendo nos deixado há tanto tempo.